“A Água da Paraíba passa por aqui”: laboratório da UEPB é referência no monitoramento da qualidade da água e na formação de cientistas
O Laboratório de Ecologia Aquática (LEAq) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) foi criado em 2002, em uma sala cedida pelo Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), no Câmpus I. De uma pequena sala, expandiu-se para duas unidades: uma localizada no Complexo de Laboratórios Três Marias e outra na Central de Laboratórios Multiusuários (LABMULTI/UEPB). Atualmente, o LEAq é referência na análise da qualidade da água em mais de 60 municípios paraibanos. O laboratório coleta e analisa amostras de mais de 120 corpos d’água e é a única instituição no Estado a prestar serviço de consultoria à Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa) e à Agência Executiva de Gestão das Águas da Paraíba (Aesa).
Além da parceria com a Cagepa, o LEAq também atua em nível nacional, enviando, a cada 90 dias, dados à Agência Nacional de Águas (ANA). As informações coletadas subsidiam o monitoramento da qualidade da água na Paraíba e integram o sistema nacional de recursos hídricos.
De acordo com o professor José Etham de Lucena Barbosa, coordenador do laboratório, o LEAq tem uma importância ainda maior por atuar em duas frentes: a análise da qualidade da água, prestando consultoria externa, e, sobretudo, como espaço formativo para estudantes de graduação e pós-graduação, funcionando como um ecossistema fundamental para o desenvolvimento da pesquisa na UEPB.
Barbosa destaca que “desde o início, começamos a seguir uma lógica que se disseminou muito pela área de Ciência, Tecnologia e Inovação no país. Já lá em 2003, que era a formação do ciclo virtuoso da ciência. Ela vem da Iniciação Científica e ascende para as pós-graduações; você forma o aluno de graduação, leva para mestrado, doutorado, e para o pós-doutorado. E, logicamente, depois, a internacionalização. Então, quando já está formando doutores, esse ciclo foi se consolidando. A atmosfera é criada, orientada em conjunto para que todo mundo respire o mesmo ar do que está se trabalhando ali. Internamente, nós zelamos por esse tipo de formação aqui no LEAq
Formação de pesquisadores qualificados
E foi justamente fascinada pela atmosfera do LEAq que Aluska Ramos de Souza, discente do 8º período da Licenciatura em Ciências Biológicas, chegou ao laboratório. “Quando eu estava no segundo período, cursei a disciplina Fundamentos de Ecologia. Foi nessa ocasião que o professor José Etham ministrou uma palestra sobre o trabalho desenvolvido aqui. Fiquei muito interessada pela área, ingressei no laboratório e sigo até hoje”, contou a discente, que já está no segundo projeto do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).
Aluska que cursou sua educação básica na escola público explicou que foi na universidade onde teve o primeiro contato com um microscópio. E foi com a equipe do laboratório que ela descobriu que era possível aprender e ainda receber por isso. A partir da bolsa de Iniciação Científica ela pode deixar o trabalho e se dedicar a pesquisa. “Na verdade, eu vou ser a primeira a concluir o curso de graduação. Minha irmã, ela entrou no curso de direito, mas teve que desistir” [por uma questão pessoal].
Ela conta que, além da bolsa e do aprendizado com pesquisadores — como sua orientadora, Camila Ferreira Mendes, que foi orientanda do professor José Etham no doutorado em Engenharia Ambiental —, a pesquisa desenvolvida e sua atuação no LEAq lhe proporcionaram a oportunidade de participar de eventos relevantes e, agora, ela se prepara para publicar seu trabalho em um periódico científico da área.
Mateus Santos de Araújo Silva, primeiro ano do Mestrado em Ecologia e Conservação (PPGEC/UEPB) é outro discente que faz parte do LEAq. Segundo ele, foi o discurso cativante do coordenador do laboratório que chamou sua atenção. Então, “decidi fazer uma visita ao laboratório, e quando entrei já fiquei hipnotizado, principalmente quando vi a sala do cultivo de cianobactérias, coisa de ferinha mesmo, e no mesmo dia decidi permanecer no laboratório”.
Mateus relata que foi fisgado pela pesquisa já nos primeiros dias, mas foi durante a Iniciação Científica que teve certeza do caminho que queria seguir. “Eu entrei na universidade já com a visão de participar destes projetos e de me formar um cientista, durante a graduação tive a oportunidade de participar de dois projetos de pesquisa, e sem sombra de dúvidas, a Iniciação Científica transformou a forma como eu via a ciência, além de que, graças ao processo do PIBIC eu consegui desenvolver muitas habilidades, desde a escrita científica, ao planejamento de metodologias e análise de dados, habilidades que são essenciais na vida de um estudante/pesquisador”, comemora.
O que chama a atenção no LEAq é que o entusiasmo não se resume a Aluska e Mateus. A mestranda Maria Eduarda Dantas César, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação, também compartilha da alegria de fazer parte do ecossistema de pesquisa do laboratório. Há dois anos no LEAq.
Ela, que é a primeira da família concluir uma graduação e ingressar em um mestrado, relata o que tem aprendido ao longo dessa trajetória. “Antes de iniciar aqui, eu não sabia a dimensão da importância de estudar os ecossistemas aquáticos, das espécies que estavam presentes ali e de como não tratar as águas poderia afetar a saúde humana. Por exemplo, nesses ecossistemas aquáticos há presença de cianotoxinas, que são espécies de cianobactérias que produzem toxinas e podem causar danos à saúde humana se estiverem acima do que é permitido”.
Há uma unanimidade em relação as falas dos discente: a Iniciação Científica foi primordial em sua formação e fazer pesquisa em um laboratório com o LEAq foi o diferencial. Mateus vai mais além: “minha formação, enquanto licenciado em Biologia, foi totalmente moldada por minha relação com a pesquisa e o laboratório. São essas interlocuções que nos guiam dentro da academia e nos ajudam a compreender o que realmente queremos para o futuro. Entrar no laboratório e ter o contato com o ‘fazer ciência’ da realidade, fora dos livros e filmes, causa um choque muito grande. A ciência não é só explosões, microscópio e preparo de misturas; é muito mais sobre leitura, compreensão de processos, desenvolvimento de perguntas norteadoras e tentativas de solucionar problemas”.
Outro ponto destacado pelos alunos é que o laboratório é como uma “segunda casa”. Além de proporcionar formação contínua, o espaço também favorece laços de amizade e dá sentido à trajetória acadêmica, ao fortalecer o compromisso com a sociedade. Eles destacam ainda a importância de prestar um serviço ao contribuinte, que, por meio do financiamento público, torna possível a realização das pesquisas.
Esse “propósito” destacado pelos alunos reflete muito da filosofia do coordenador do LEAq. Para o professor Etham Barbosa, a UEPB ocupa hoje um papel de grande protagonismo na pesquisa, resultado de um projeto que vem sendo construído ao longo dos anos e que é, acima de tudo, fruto de um esforço coletivo. “Desde que eu participei da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, temos um lema que levo comigo até hoje: ‘aqui se ensina porque se pesquisa’. Nós não somos apenas repassadores de conhecimento, somos também construtores de conhecimento, criadores de conhecimento — e é esse conhecimento que estamos mostrando quando prestamos serviço à Cagepa e à Aesa e a entidades privadas”, enfatizou o pesquisador.
Mesmo profissionais já oficialmente capacitados, como o Técnico em Laboratório Adriano Cordeiro, seguem em constante aprendizado dentro do ecossistema do LEAq, seja apoiando as pesquisas desenvolvidas por estudantes, seja atuando na coleta de água para a elaboração de laudos técnicos solicitados pelas empresas contratantes dos serviços do laboratório.
Conforme Adriano, o aprendizado é constante, pois “quando eu vim para o LEAq, em 2008, eu nunca tinha trabalhado com água. Mas eu aprendi muita coisa com o professor Etham. Tudo o que eu aprendi aqui foi com ele e com os próprios alunos que já estavam no curso. Nós tínhamos graduandos e mestrandos que me passavam a rotina do laboratório. E aí, com o tempo, eu fui pegando aquela rotina, fui aprendendo na prática. Porque análise química é prática. E aí eu fui pegando, peguei a parte de análise química do laboratório especificamente e, ainda hoje, colaboro nessa análise química”, ressaltou o técnico.
Respostas cientificas: consultoria e prestação de serviço
Conforme o professor José Etham, o LEAq sempre fez análise de água para instituições privadas e mesmo para entidades públicas. “No entanto, foi durante a crise hídrica ocorrida entre 2012 e 2017 que passamos a atuar em uma escala maior, devido às demandas da Cagepa, da Aesa e do Governo do Estado. Essas demandas não se restringiam apenas à assessoria técnica, pois tratava-se de uma crise sem precedentes na história regional. Naquele momento, não havia garantias, tampouco estudos consolidados, sobre a viabilidade de manter uma região metropolitana com mais de meio milhão de habitantes abastecida com apenas 3% de volume útil no reservatório de Boqueirão”, explicou.
Mas como explicou o professor, apesar das incertezas, a experiência mostrou-se viável e marcou um exemplo de gestão de crise em que as universidades [UEPB e UFCG] assumiram papel de protagonismo, ao lado dos centros estaduais de gestão ambiental e de recursos hídricos. Nesse contexto, fomos instigados a integrar o processo e passamos a oferecer, de forma contínua, serviços para essas instituições e agentes, com os quais mantemos colaboração até hoje”, pontou o coordenador do LEAq.
Para atender às consultorias de órgãos públicos e às análises de água voltadas aos setores têxtil, calçadista, químico e mineral — nos quais a água é um recurso essencial para as atividades produtivas —, é fundamental contar com uma rede integrada de pesquisadores, técnicos e pós-doutorandos.
Uma das pesquisadoras vinculadas ao LEAq é a pós-doutoranda Camila Ferreira Mendes. Egressa do curso de Biologia do Câmpus V da UEPB, ela concluiu o mestrado e o doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia Ambiental (PPGCTA/UEPB). No laboratório, atua na orientação de alunos de Iniciação Científica, na coorientação de mestrandos e é responsável pela elaboração dos laudos de qualidade da água.
De acordo Camila, “atualmente, o meu papel é tanto ir para as coletas, para o campo, como também fazer a análise das amostras que chegam dos reservatórios, que são utilizados para abastecimento público aqui no estado da Paraíba. Então, realizo tanto essas análises das cianobactérias como também sou responsável pela confecção dos laudos que são enviados para a Cagepa”.
Ela explicou que o laudo final leva, em média, um mês para ser concluído — não por demora no processo, mas porque, em alguns casos, é necessário realizar coletas semanais até que se obtenha um resultado mais preciso, de acordo com os parâmetros definidos por órgãos competentes, como o Ministério da Saúde (MS).
As coletas são feitas em uma semana, “durante os cinco dias. São duas equipes, uma que fica aqui na parte do litoral, brejo, cariri, e outra que vai paro sertão. Então quando chegam todas essas amostras, precisamos fazer a análise, trabalhamos sábado, domingo, feriado, às vezes, para dar essa resposta até no máximo, terça ou quarta da outra semana”.
E o LEAq não presta serviço apenas para a Cagepa e Aesa, como destacou o professor, Etham. “Sempre que necessário, prestamos serviços relacionados à análise da qualidade da água. Condomínios de Campina Grande, por exemplo, frequentemente solicitam análises de água de piscinas, fossas, caixas d’água e poços. Da mesma forma, o meio rural também demanda esse tipo de serviço, o que reforça a importância do nosso trabalho em diferentes contextos e setores”.
E para isso é necessário fazer análise tanto de zooplâncton (conjunto dos organismos aquáticos que não têm capacidade fotossintética), quando de fitoplâncton, conjunto dos organismos aquáticos microscópicos que têm capacidade fotossintética.
E na tarefa de analisar o zooplâncton que está Felipe Antônio dos Santos. Ele também é pós-doutorando no LEAq. “Aqui eu venho analisando as amostras de vários projetos, mas principalmente as amostras do Rio Paraíba para o PELD [Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração] e de outros corpos d’água. Mas, principalmente, eu tenho alunos de PIBIC e ensino-os a identificar, quantificar e analisar a comunidade zooplanctônica do Rio Paraíba e do estuário do Rio Mamanguape”, explicou.
Ele realizou a graduação na Universidade de Pernambuco, o mestrado na Universidade Federal Rural de Pernambuco e o doutorado na Universidade Federal de São Carlos. Após ter passado por diversos laboratórios distintos, identifica que o trabalho desenvolvido no LEAq se destaca por suas particularidades metodológicas e formativas. “Formamos os alunos não só academicamente, porque o aluno pode seguir a carreira acadêmica, fazer mestrado e doutorado, mas também pode sair daqui capacitado para desenvolver pesquisas na área de consultoria ambiental. Eles vão sair extremamente capacitados, principalmente porque existe bastante demanda por consultoria na área aquática. Mas, sobretudo, o LEAq é capaz de, a partir de suas pesquisas práticas sobre a qualidade da água da Paraíba, dar uma resposta rápida à comunidade, além de prestar serviços ao povo paraibano”, evidenciou.
Segundo o professor Etham Lucena, é justamente a relação de via dupla entre a pesquisa e o compromisso social que confere ao laboratório um caráter distintivo, tornando-o referência não apenas no campo acadêmico, mas também pelo relevante papel que desempenha junto à sociedade. “Ao prestar esse serviço, nós, juntamente com nossos alunos de pós-graduação e de Iniciação Científica (PIBIC), exercitamos a criticidade sobre nosso papel institucional e sobre os processos envolvidos na avaliação da qualidade da água. Essa atuação é de grande importância para a universidade, para nossa equipe e para a sociedade, pois envolve um grupo qualificado, com respaldo institucional, dedicado diretamente à análise de um recurso essencial, escasso e valioso: a água”, comemorou.
Outro ponto importante do LEAq é que, com os recursos captados por meio das consultorias e dos serviços prestados, o laboratório consegue não apenas adquirir insumos para as pesquisas, mas também garantir o custeio do processo de investigação científica. Isso inclui, por exemplo, o pagamento de bolsas para pesquisadores que não são contemplados por agências de fomento, o que torna o laboratório sustentável, embora sem fins lucrativos.
Além disso, em maio deste ano, durante o II Fórum Brasil das Águas — realizado no dia 5, no Teatro Pedra do Reino, em João Pessoa —, a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) firmou um importante contrato com a Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (Aesa) e com a Secretaria de Infraestrutura e dos Recursos Hídricos do Governo do Estado, garantindo a continuidade das análises de qualidade da água em todo o território paraibano por parte do LEAq.
Zélio Sales
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