Luizinho Calixto: a sanfona como a vida, quando abre é um som, quando fecha é outro

3 de fevereiro de 2017

A melhor lembrança da infância dele é a mãe. A cozinha ficava mais alegre quando Dona Maria arriscava cantar aquelas músicas de antigamente. Era uma alma ponderada, observadora e dada ao diálogo, diz ele. Foi ela, a propósito, que certo dia puxou Zé Calixto, o irmão mais velho e já mestre na sanfona de oito baixos, e disse que o menino Luizinho tinha jeito para a coisa, que lhe trouxesse logo uma sanfona. E foi assim que, nervoso e tímido, como são quase todas as crianças em público, e ainda mais se esse público for cheio de adultos, que aos 8 anos o menino se apresentou pela primeira vez na Rádio Borborema, em Campina Grande.

Do pai, João de Deus, agricultor e sanfoneiro conhecido nas redondezas, Luizinho Calixto recorda com temor. Era valente, “não abria pra ninguém” e tocava até para os homens do Cangaço. Se o assunto fosse discussão, quase não usava palavras. Só andava armado. Morreu ainda guardando uma faca debaixo do colchão. Já Luizinho, bem, Luizinho é daqueles que se tiver uma briga, ele prefere ir embora. “Correndo, se possível”, como acrescentou.

Dormiu junto com os pais até os 14 anos de idade, tal era seu amor por eles. A raspa do tacho, o caçula da casa teve mais carinho que os irmãos. Por isso, conforme ia crescendo, a independência adquirida não era proporcional à idade – foi fazendo o caminho inverso, ficando ainda mais apegado aos pais. Tanto que, aos 20 anos, decidiu ir para o Rio de Janeiro encontrar Zé Calixto, já conhecido, vivendo bem por lá, mas não conseguiu ficar muito tempo longe de seu João de Deus e de Dona Maria.

Bom de copo e de tabaco se recriminava às vezes pelo exagero, especialmente no uísque. Uma vez, lembra com espanto, quase tomou uma garrafa inteira. E nele o efeito do álcool era belicoso: se via com vontade de brigar com qualquer um e por qualquer motivo. Decidiu parar. Primeiro foi o cigarro, hoje asqueroso para ele. Sobre o álcool, 4 meses depois de deixar de beber, o filho Tiago, que sempre assiste as suas apresentações, fez um comentário definidor: “Pai, eu vi, e também ouvi comentários da plateia, que sua performance melhorou”. O filho não criticou, não pressionou, apelas elogiou, e Luizinho gostou disso, dessa atitude mansa. Não houve críticas, não houve pressão. O filho, que se preocupava quando o pai bebia, apenas reforçou o bom comportamento. A tática funcionou e, explica Luizinho, há mais de 10 anos longe do álcool: “Se eu fosse melhor do que sou, seria como Tiago”.

Um dia, chamaram-no para dar uma oficina. Pouco habituado a esses modismos das palavras de hoje, pensou logo em carros, motos, peças… Era uma oficina de sanfona de oito baixos. A sala de aula nunca foi um sonho, plano ou perspectiva, mas após muita insistência, Luizinho foi. Ele, que nunca teve aulas de sanfona de oito baixos, criou um manual didático e simples para ensinar aos alunos como funciona o instrumento e a difícil afinação dele.

A primeira vez que usou o método, fez uma explanação usando um desenho básico, cartolina e canetas de duas cores. Foi um sucesso. Emergia ali, talvez, um pouco do talento de Luizinho como desenhista fotográfico – profissão que exerceu por muito tempo, antes de abraçar de vez a sanfona de oito baixos. A verdade é que relutou, mas aos poucos levantou o estandarte de detentor desse conhecimento restrito, quase perdido, assumindo a responsabilidade de ensiná-lo às próximas gerações.

Durante a entrevista, Luizinho segurou o choro ao explicar que a filha, Larissa, e Tiago, por opção ficaram em Fortaleza, quando ele veio com a esposa morar novamente em Campina, há 3 anos. Chama a irmã mais velha, de 87 anos, de “mãezinha”. Logo, não precisa muito para entender o que é mais importante para ele. O artista assegura que não mudou excessivamente, mas que a vida o moldou, mais ou menos assim como acontece com a sanfona de oito baixos: quando abre é um som, quando fecha é outro, vai se transformando, dependendo do sanfoneiro e de outras muitas variáveis da afinação.

Texto: Oziella Inocêncio
Foto: Hipólito Lucena