Uma plateia animada recebeu a comitiva da Procult no Câmpus IV. A programação da manhã começou com uma apresentação cultural dos emboladores de coco Fredi Guimarães e Canário do Império. Divertida, a exibição trouxe motes que versavam sobre o próprio público fazendo-o interagir com os artistas, à maneira da típica improvisação dos emboladores.
A abertura oficial do Encontro se deu no Auditório e contou com a presença do diretor do Câmpus IV, Edivan Silva Nunes Júnior, e do diretor adjunto, Rômulo César Araújo Lima, do pró-reitor de Cultura, José Cristóvão de Andrade, e do pró-reitor adjunto de Cultura, José Benjamim Pereira Filho. Também estiveram na mesa de abertura a curadora da seção de Cordel do Museu de Arte Popular da Paraíba (MAPP), professora Joseilda de Sousa Diniz, o diretor do Grupo de Tradições Populares Acauã da Serra, professor Agnaldo Barbosa, o professor do Centro Artístico-Cultural (CAC) da UEPB, Erivelton da Cunha, a cantora Gitana Pimentel, e o mestre da sanfona de oito baixos Luizinho Calixto, também docente do CAC.
Em sua fala, o pró-reitor de Cultura apontou que, através do Encontro, a UEPB assume e reafirma sua posição de vanguarda, mantendo-se sempre ao lado dos movimentos de resistência, de transformação social e de mudança, que habitualmente têm a arte como vetor principal. “Catolé é conhecida por ter um viés cultural muito forte e nós reconhecemos e valorizamos isso. Nosso desejo é contribuir para que as ações de caráter artístico sejam feitas permanentemente”, endossou José Cristóvão de Andrade.
Para ele, é a cultura popular o marcador que define a identidade de um povo. “Por isso, a exaltação dela é imprescindível, mas, mais que isso, também é a salvaguarda e difusão desse patrimônio que presenteia as gerações futuras com a nossa riqueza, esse grande painel cultural onde residem os nossos valores mais caros. É por meio da cultura popular que nos reconhecemos”, finalizou.
Já o pró-reitor adjunto começou a sua fala pedindo uma salva de palmas aos índios do Brasil. O professor Benjamim é membro e um dos fundadores do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEAB-Í) da UEPB. Tendo a data do Dia do Índio a ser comemorada neste mesmo dia, o docente ressaltou a importância da causa. “Como devemos aos índios nosso sangue, nosso jeito de ser, devemos aos sanfoneiros por terem preservado e propagado a nossa cultura. O sanfoneiro faz a melhor e maior festa junina, mas não recebe o merecido respeito, assim como são relegados os índios”, explicou.
O pró-reitor adjunto também comentou a respeito da conversa que teve com o cantor e compositor Flávio José, quando da execução da quarta etapa do Encontro, em Monteiro (PB). “Ele felicitou a UEPB pela iniciativa, pela Instituição tratar os sanfoneiros com todo carinho e admiração. A UEPB é popular e será cada vez mais, não é à toa que temos nossa vitoriosa escola de sanfona, que excede os 160 matriculados”, informou.
O diretor do Câmpus IV saudou a todos os integrantes do Encontro, classificando-o como um empreendimento de grande porte e bem sucedido. “É bonito ver a cultura se transmitindo, ganhando mais força, e a cidade de Catolé certamente fica muito feliz por fazer parte da celebração do talento desses artistas”, disse Edivan Silva Nunes Júnior. Já o diretor adjunto afirmou que apenas a arte é capaz de fazer o mundo mudar. “Hoje vivemos uma sociedade do ‘não pensar’ ou de simplesmente deixar que outros pensem por nós e a cultura é um antídoto para isso porque nos abre olhos, nos sensibiliza ao que de fato tem relevância”, ressaltou Rômulo César Araújo Lima.
A estrela do Encontro
Como não podia deixar de ser, a música foi a estrela maior na quinta etapa do Encontro de Sanfoneiros e Tocadores de Oito Baixos. Por todo o dia, no Câmpus IV e também no Mirante, que sediou o evento no período noturno, aconteceram apresentações musicais com Fredi Guimarães e Canário do Império, Gitana Pimentel, Erivan Ferreira, Luan Costa, do Grupo Maracagrande, e Erivelton da Cunha.
Na programação da noite, que teve à frente como mestre de cerimônia Alberto Alves, um dos destaques foi a aula espetáculo com Luizinho Calixto, desfiando histórias diversas a respeito da linhagem sanfoneira de sua família e de vivências com Luiz Gonzaga e Rosil Cavalcante, entre outros grandes nomes do meio artístico.
Os sanfoneiros inscritos em Catolé do Rocha também se apresentaram por todo o dia com os músicos da Procult, escolhendo canções de sua preferência e mostrando composições autorais. Especialmente no Mirante, a população da cidade compareceu em número significativo, perfazendo um público animado e colorido, em que se uniram estudantes, professores e funcionários do Campus IV, aos admiradores do autêntico forró pé de serra.
Um dos participantes do roteiro cultural da noite foi o poeta, radialista e advogado Hildebrando Diniz. “Fiz questão de participar do evento, é preciso prestigiar ações desse tipo, porque infelizmente rareiam. A UEPB está de parabéns por criar esse projeto maravilhoso e estimulante aos artistas e também à produção cultural nas cidades”, destacou. Hildebrando é autor do livro “Pensando Além do Óbvio” e planeja lançar ainda este ano outra obra.
Cada inscrito na quinta etapa do evento recebeu um certificado de participação e posteriormente estará na etapa final do Encontro, que ocorrerá em maio, em Campina Grande, como uma forma de prévia aos festejos do Maior São João do Mundo.
Redenção pela sanfona
“Seu” Assis Rosa, como é conhecido o senhor José Rosa da Silva Filho, de 66 anos, começou a tocar sanfona na década de 70. Oriundo de Areial (PB), ele conciliava 16 horas diárias de trabalho no campo com o aprendizado do instrumento. Autodidata, Assis Rosa explicou que começou tocando “de ouvido” e aos poucos foi assimilando o básico da teoria musical.
Uma das maiores frustrações na vida do artista é que não teve a possibilidade de estudar e, sobretudo, de integrar uma universidade, que ele considera “o máximo”. “Se eu tivesse estudado seria professor, pois acho muito bonito quem lê, escreve bem, se expressa bem. Infelizmente, naquela época não existia essa facilidade que se tem hoje. Meu pai não me deixou estudar, dizia que o trabalho é que era importante”, contou emocionado.
O primeiro instrumento de Seu Assis foi uma gaita, recebida de presente aos 12 anos. Mais tarde, o avô orientou a seu pai que comprasse uma sanfona para o menino, posto que ele tinha jeito para a coisa. “Mas era caro demais, só pude ter uma 5 anos depois, porque meu pai fez uma troca. Foi preciso uma vaca, um silo de milho e uma espingarda soca soca para que eu tivesse a minha primeira sanfona. Fui buscá-la muito alegre, sozinho, num cavalo. Como eu era bastante franzino e o instrumento pesado, a cada trote do cavalo parecia que ela ia cair e eu com muito medo do prejuízo. Em um mês já sabia tocar”, destacou.
Hoje aposentado, Seu Assis explica que tem uma vida relativamente confortável, pois nada falta a sua família e a sanfona ajudou em muito para que tal se desse. “Espero ainda realizar um grande sonho, que é adquirir a casa própria. Já me mudei 23 vezes, acredita?”, perguntou, sorrindo e arrumando, na cabeça, um chapéu de couro lustroso, dado por um amigo e fã.
Sanfona X Política
Francisco Ferreira da Silva, 77, o chamado “Bichinho do Acordeon”, é oriundo do município de João Dias (RN), a 15 quilômetros de Catolé do Rocha. Há 35 anos é artista da sanfona, mas conta que seguramente teria mais tempo e dedicação na profissão não fosse ter ingressado na carreira política há alguns anos, fato que lamenta.
De 1993 a 1997, o menino de família pobre chegou a ser presidente da Câmara Municipal da cidade. “Deixei a sanfona de lado para entrar em um mundo que não conhecia, mas me arrependi. Foi uma lição porque fui vendo que aquele não era ambiente para mim. Vi muita corrupção, me decepcionei, e não quero mais conversa com política. Voltei para onde não devia ter saído”, relatou.
Dentre os pontos altos da carreira, Bichinho destacou uma apresentação no Cassino do Chacrinha, na Rede Globo, e uma participação na festa do Centenário de Luiz Gonzaga, sediada em Fortaleza (CE). “Também gravei um LP, pois tenho várias composições de minha autoria. Mesmo com as dificuldades, eu me sinto realizado porque sei que meu trabalho é reconhecido nas redondezas e não me faltam convites para me apresentar”, detalhou.
Geração diferente, problemas iguais
Antônio Cassimiro da Silva Neto, o “Netinho do Acordeon”, 31, oriundo de Belém do Brejo do Cruz (PB), é de uma geração diferente em relação a Assis Rosa e a Bichinho do Acordeon, mas concorda que mesmo sendo mais jovem que muitos de seus colegas que participaram do Encontro, algumas aspectos da profissão não mudaram. “Vivemos outra realidade, mas o ofício continua sendo pouco valorizado”, asseverou.
Como não consegue exclusivamente sobreviver por meio da sanfona, Netinho é instrutor numa autoescola e também faz apresentações de voz e violão em bares. “Procuro me adaptar, mas claro que seria um sonho, porque o que mais gosto mesmo é de tocar sanfona”, explicou.
Sobre o denominado “forró de plástico”, Netinho explica que prefere seguir a trilha de Luiz Gonzaga e Luizinho Calixto. “É o trabalho deles que me inspira e norteia. Gosto do que é tradicional e procuro aprimorar meu repertório, diversificá-lo também, porque há gente atualmente fazendo música boa, mas ele não pode perder a qualidade”, finalizou.
Quinta etapa do Encontro de Sanfoneiros e Tocadores de Oito Baixos é realizada em Catolé do Rocha