Aproximadamente 20 sanfoneiros se inscreveram na primeira etapa do Encontro e cada um deles esteve no Mercado Público, no final da tarde, onde 300 crianças do Ensino Fundamental os aguardavam. Os infantes eram oriundos da Escola Municipal João Alves Torres e da Escola Municipal Professor João Moreira Soares. A plateia recebeu efusivamente os sanfoneiros e os emboladores de coco, Canário e Caboclo, que também participaram do espetáculo. Um dos mais animados era Renan da Costa Oliveira, 10, estudante do 4° ano. “É muito bonito o som da sanfona, mas dentro da festa eu nem escuto muito, porque tem a voz do cantor, tem toda a música da banda. Gostei de ouvir aqui só a sanfona, porque assim prestei mais atenção”, disse.
Já a estudante Patrícia Sousa Rodrigues, 11, e mais três amigas, todas alunas do 5° ano, assim que viram os artistas chegando, pediram que tocassem Mc. Loma (funkeira que faz muito sucesso na atualidade). Depois, já estava dançando e cantando junto com os emboladores. “Gostei muito, gosto bastante de forró. A gente escuta de tudo que está tocando, que vê na TV, na Internet, que tem no São João, e gosta para dançar porque é bem animado. Eu ainda não tinha visto uma apresentação assim, com um grupo todo de sanfoneiros”, explicou Patrícia.
A visita ao Parque Estadual da Pedra da Boca, de acordo com o coordenador do Encontro em Araruna, o poeta e servidor da UEPB, Lino Sapo, teve o objetivo de valorizar aquele patrimônio natural. “O local foi escolhido para congregar os sanfoneiros, fazendo a foto oficial do evento em um espaço que é a cara da cidade, assim como eles são a cara da nossa cultura regional. É uma oportunidade, igualmente, para que se sobressaia toda a nossa riqueza turística”, destacou. Sobre o Encontro, Lino, que é conhecido também por seu ativismo cultural, disse estar bastante satisfeito por coordená-lo mais um ano. “É uma alegria, embora também traga alguns pontos negativos, como o fato de muitos deixarem de vir. Alguns imaginam ser uma competição, ficam amedrontados, talvez inseguros pelo evento ser proposto por uma universidade. É um pouco frustrante, pois é feito para eles, então gostaríamos de ter uma presença mais significativa”, contou Lino, que costuma ir na casa de cada sanfoneiro efetuando o convite.
Todo o evento teve a presença do secretário de Turismo de Araruna, Edvaldo Costa, e do gerente de Cultura e Artes do município, Wellington Rafael. “A UEPB em Araruna é um vetor de parcerias proveitosas. Temos variadas colaborações entre a Prefeitura e a Instituição abrangendo diversas esferas do conhecimento e fizemos questão de estar nesta iniciativa, sobremodo pertinente e que enobrece nossos artistas”, destacou Edvaldo. O gerente de Cultura concordou com ele, apontando que é de costume e interesse da Prefeitura prestigiar o trabalho dos sanfoneiros e de todos que envolvem a tradicional música nordestina, notadamente no São João da cidade. “Nosso intuito é seguir elevando o forró pé de serra e prezando por nossas raízes na programação junina”, ressaltou Wellington.
No Câmpus VIII
O 2° Encontro de Sanfoneiros e Tocadores de Fole de Oito Baixos da Paraíba começou bem cedo no auditório do Campus VIII. Efetuaram a abertura, Lino Sapo, o diretor do Centro de Ciências, Tecnologia e Saúde (CCTS), Manuel Antônio Gordón Nunez, o vice-diretor, Leidimar Bezerra e o pró-reitor de Cultura da UEPB, José Cristóvão de Andrade.
Em seguida, começaram as apresentações artísticas com todos os inscritos. A dupla de emboladores Canário e Caboclo também se apresentou com a criação improvisada de versos, interagindo de modo lúdico com a plateia. Mais tarde, o professor de fole de oito baixos do Centro Artístico Cultural (CAC) da UEPB, Luizinho Calixto, iniciou sua exibição, acompanhado por Erivelton da Cunha, também docente do CAC, e por Sandrinho Dupan, um dos responsáveis pela curadoria de Música do Museu dos Três Pandeiros (MAPP).
Na ocasião, Luizinho contou um pouco de sua história como artista e desfiou no fole de oito baixos verdadeiros medalhões do cancioneiro nordestino, privilegiando Luiz Gonzaga. Este ano, o Encontro, além das homenagens aos sanfoneiros locais, tem como cerne a figura de Zé Calixto, irmão de Luizinho, outro instrumentista e compositor célebre, saído da “Família Calixto”. “Por razões de saúde, Zé Calixto não pode nos acompanhar nessa iniciativa, fica difícil para ele se deslocar do Rio de Janeiro, mas recebemos com honra e alegria essa reverência a sua obra”, pontuou.
Ainda participaram do 2º Encontro um dos curadores da área de Cordel do MAPP, Alfrânio Gomes de Brito, o servidor da UEPB Igor Carvalho, o assessor da Procult Agnaldo Barbosa e o estudante de Filosofia da UEPB e pesquisador de Cultura popular, com ênfase em Cordel, José Ferreira Neto.
Homenagem a Cabralzim
O evento em Araruna foi dedicado a coroar a trajetória artística de Abraão Basílio Bezerra, mais conhecido como Cabralzim, de 90 anos. O tocador de fole de oito baixos impressionou o público com sua desenvoltura e entusiasmo, tendo participado integralmente da inciativa, ora se apresentando, ora na plateia, atento à programação do Encontro. Bastante aplaudido, mostrou-se emocionado em vários momentos.
Cabralzim, pai de 12 filhos, conhece a dureza da vida, comum a boa parte dos profissionais do fole e da sanfona. Natural do Sítio Cabaças, distrito de Barra de Santa Rosa (PB), foi criado sem os pais, trabalhando na enxada. Teve como primeiro instrumento o vialejo e, através dele, tocando com os amigos, juntou 300 mil réis para comprar seu primeiro fole em 1952, o que foi motivo de discórdia com a esposa. Aprendeu rápido: após 19 dias já sabia tocar.
Ainda no começo da carreira, Cabralzim recebeu um convite para tocar numa festa na Zona Rural de Remigio (PB). Ganhou 100 mil réis e deu 20 aos seus companheiros. Já em casa, Cabralzim comentou com a esposa acerca da soma recebida. Ela duvidou, mas enxergando a quantia, aceitou-o como músico. Outra passagem da vida de Cabralzim remonta à festa de São Sebastião, em Dona Inês (PB), quando ganhou 200 mil réis. O dinheiro foi usado para realizar um sonho do músico: fazer o batizado da sua filha Maria.
Cabralzim segue desconhecendo as partituras, mas domina totalmente a musicalidade do Nordeste. De ouvido, é capaz de reproduzir o trabalho de gênios dela. Não à toa, a primeira canção que tocou foi “Asa Branca”. A ocasião mais marcante da trajetória dele foi o destaque recebido no 1º Encontro de Sanfoneiros e Tocadores de Fole de Oito Baixos, efetuado em 2017, em Araruna. Na oportunidade, ele e Naldim Sanfoneiro, seu grande amigo, representaram o município de Barra de Santa Rosa, obtendo os primeiros lugares na categoria “Fole” e “Sanfona”, respectivamente.
O pró-reitor de Cultura, professor José Cristóvão de Andrade, parabenizou Cabralzim pelo seu talento e história de luta e resistência. “O nosso Encontro se curva à retidão da vida desse artista e ao brilhantismo com que levou seu ofício. O evento tem esse papel de ocupar os espaços em defesa do legado desses instrumentistas, tão bem representados aqui por Cabralzim. Dignifica a nossa Instituição guardar, proteger e propagar isso para todas as gerações”, enfatizou.
Acompanhando o Encontro, o prefeito de Barra de Santa Rosa, Neto Nepomuceno, igualmente ressaltou o quanto a cidade se orgulha pelo trabalho de Cabralzim. “É um filho ilustre barrense, só felicidades nos trouxe. É com sentimento de orgulho que o acompanhamos”, apontou.
Fotos: Talitta Uchôa, Hugo Tabosa e Uirá Agra