É o tipo de trabalho que quase ninguém vê, pouca gente sabe que tem à sua disposição, mas faz a diferença na vida das pessoas. Quem diz é a aposentada Antônia Marcelino da Silva, de 83 anos, que, segurando o violão comprado em 2006, acrescenta ter aproveitado a oportunidade. Curiosa e simpática, Dona Antônia vestiu a melhor roupa quando soube que seria entrevistada. Relatou o fato, inclusive, a alguns amigos que moram perto da pequena casa onde reside, no Bairro de Nova Brasília, localizado na zona leste de Campina Grande.
Embora esteja no Curso de Violão do Centro Artístico Cultural (CAC) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) há pouco tempo, ela conta que aprendeu várias músicas. “Asa Branca”, “Vem me Regar” e “No dia em que eu saí de casa” estão no repertório. “Nascida e criada na agricultura”, como ela se refere a si mesma, Dona Antônia sempre alimentou o anseio de estudar um pouco de tudo, mas não havia como, era preciso obter o sustento diário. “Hoje, a facilidade é enorme. Na minha época isso não existia”, pontua.
Ao ficar viúva, em 2012, após 55 anos de casamento, ela decidiu realizar um de seus maiores sonhos: a alfabetização. “Eu via os livros e achava bonito pelas figuras, mas queria mesmo era entender o que estava escrito ali. Meu pai, também agricultor, tinha esse desgosto, pois sabia que eu queria muito ler, mas não podia me oferecer isso”, revela. Concluído o Ensino Médio com louvor, ela quis mais. Atualmente, participa da Universidade Aberta à Maturidade (UAMA), outro projeto da UEPB, integra o Programa Interdisciplinar de Apoio à Terceira Idade (Piati) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), no qual faz o curso de Computação, e ainda assiste as preleções do curso de Pintura do Centro Artístico da UEPB. “Mas é o curso de violão o que mais gosto, por ser um desejo antigo. Eu comprei, mas esperei até poder me dedicar”, explica.
“Gosto muito do professor, da turma. São alegres e me tratam bem. Para mim, a Universidade devia ser parabenizada por esta ação. Eu sou fã da UEPB e de todos que trabalham nela”, endossa vivamente. Com 11 filhos e 24 netos, ela declara que se está há tanto tempo na Terra é por algum motivo. “Tem gente que aproveita muito a vida, né? Então eu quero ser assim e aprender tudo o que puder. Disposição não me falta”, argumenta.
Há menos de um ano frequentando as práticas, ela disse que as cifras não são um problema e assimila as harmonias facilmente, mas os livros de História, presentes dos professores da Educação de Jovens e Adultos (EJA), às vezes, são capazes de tirar-lhe o sono. “Eu vejo a cifra como se fosse outra linguagem e isso é uma alegria para mim. Já a leitura sobre a escravidão me deixa triste, pensativa. Imagine, aquelas mães nos navios com seus filhos, sem ninguém por elas”, pondera.
Hoje, o Curso de Violão da UEPB possui 50 alunos, divididos em dois módulos: Iniciantes, do qual Dona Antônia faz parte, e Avançados. Ministrada pelo músico Caio César, a atividade completou 15 anos. Nesse ínterim beneficiou mais de mil estudantes, todos oriundos do Compartimento da Borborema, contemplando crianças a partir de oito anos, adolescentes e adultos.
Fora dos padrões
Sobre o método empregado no Curso, Caio informa que a intenção é que seja uma proposta diferenciada dos padrões tradicionais do ensino de música praticado em conservatórios. “Geralmente, eles costumam delimitar o conteúdo, restringindo-o a um único gênero musical, enfatizando as questões técnicas, sem levar em conta a diversidade de interesses que os aprendizes possuem”, afirma. Para Caio, o alvo é justamente o oposto: evidenciar a importância de um fazer musical prazeroso. “Com esse objetivo, faz-se necessária a utilização de variados estilos, considerando o gosto de cada aluno, sem a pretensão de averiguar aspectos sociais ou clarificar essas inclinações para determinadas categorias estilísticas de música”, revela.
Caio César aponta que é uma felicidade fazer esse trabalho na UEPB. “Os cursos são gratuitos, os docentes qualificados, dispondo de bastante experiência não só nacionalmente, mas também internacionalmente. Assim, o Centro dá uma lição de responsabilidade social, de preocupação efetiva com o povo paraibano, e de amor pela educação e pela arte. O melhor de tudo é observar o sorriso de cada estudante, vislumbrando o mundo novo que ele está conhecendo”, assinala.
O Curso de Violão do CAC abre inscrições para novas vagas anualmente. Esclarecimentos adicionais sobre ele podem ser adquiridos pelo telefone (83) 3310-9719, ou na sede do Centro Artístico Cultural da UEPB, situada na Avenida Getúlio Vargas, 44, no prédio da antiga Faculdade de Administração da Instituição, no Centro de Campina.
Foto: Hugo Tabosa