Ele não tem nenhum livro publicado, porque é muito crítico com a própria obra. Não é afeito à comercialização do que produz; antes, é seu costume presentear com poemas os amigos que o inspiram a escrever. Não se arroga poeta, muito menos artista. Tem um perfil, digamos, pouco usual o contemplado com o Prêmio Culturas Populares: Edição Leandro Gomes de Barros, oriundo do Ministério Cultura (MinC), o servidor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Alfrânio Gomes de Brito.
Foram premiados 200 projetos celebrando Mestres e Mestras da Cultura Popular, sendo que cada um ganhou R$ 10 mil. Em Campina, apenas Alfrânio foi laureado nessa categoria e com a nota máxima: 100. Dono de uma obra tanto profícua, quanto irregular, ele conta que se sentiu reconhecido e que o prêmio servirá, entre outros objetivos, para adquirir alguns livros pelos quais tanto anseia a sua estante.
Inseridos no projeto que Alfrânio submeteu ao Minc, figuram alguns versos que ele destaca sobre seu ofício: “Dai de graça, o que de graça/Um dia tu recebeste/Quem é que não lembra deste/Ditado que o povo abraça?/Por isso eu canto na praça/Teatro, bodega, abrigo”. Alfrânio começou a declamar poesias nos colégios onde estudou, nas ruas de Serra Branca (PE), onde nasceu, e em Brejinho (PE), onde passeava, indo do Cariri ao Sertão do Pajeú. Como há crianças que gostam de carrinhos, a brincadeira favorita do poeta era versejar e aos oito anos ele já mostrava os primeiros escritos ao avô paterno, grande admirador dos artistas populares, que o observava orgulhoso e fazia as correções. “Era como se ele dissesse: enfim, apareceu alguém na família que gosta disso!”, contou.
Ainda na infância, o programa mais disputado pelo menino era a feira, magnetizado pelo ritmo e a versatilidade dos emboladores de coco. Não bastasse a inclinação que já se avizinhava, a casa do avô de Alfrânio era sempre cheia de cantadores, declamadores, vaqueiros e apologistas. Lá ele aprendeu, com iniciantes e veteranos, a arte do improviso e o gosto pelo esmero, pelo burilar da métrica. “Ali mesmo comecei a participar de oficinas, cursos, palestras e outras atividades relacionadas ao tema da poesia”, explicou. Alfrânio também é desenhista e costuma se dedicar às artes plásticas, contudo, faz um tempo, concentra-se na literatura. “Eu nunca estou com pincéis, mas a cabeça anda sempre comigo”, justificou.
Campina, José Laurentino, Albanita Guerra e Manoel Monteiro
Alfrânio veio para Campina em 1973 com as irmãs mais velhas, para estudar. Uma das primeiras pessoas com quem teve contato por estas paragens foi o poeta José Laurentino [1943-2016]. “Nos encontramos em um bar, um ambiente na cidade que era frequentado por poetas. No dia seguinte ele já me mostrou o primeiro livro dele e pediu minha opinião”, disse. Era o começo de uma amizade que atravessou décadas e, fato curioso, criou uma dupla que não sabia que era dupla. “Interessante que sempre estávamos, nos mesmos eventos, como declamadores. Nem a gente sabia que era uma dupla, mas éramos”, pontuou.
Na Rainha da Borborema, a professora Albanita Guerra Araújo, que lecionava Português a Alfrânio, no Estadual da Liberdade, foi uma de suas maiores incentivadoras. Em várias ocasiões foi salvo por ela das traquinagens de adolescente. “Ela se detinha mais à questão da minha capacidade de imaginação e, como gostava muito do que eu escrevia e dos meus desenhos, era mais complacente comigo. Eu gostava tanto de Augusto dos Anjos que a obra dele, naquela época, começou a influenciar na minha produção e ela me aconselhou a me afastar para preservar a espontaneidade”, rememorou. Nesse mesmo período, Alfrânio ganhou o Concurso Intercolegial de Poesia.
Alfrânio também foi muito próximo do poeta Manoel Monteiro [1937-2014] e participou com ele de obras literárias diversas, bem como do projeto do bardo denominado “Cordel na Escola”. Seu Manoel denominava os escritos de “folheto-professor”. Com esse material em mãos, os dois visitavam as redes privada e particular de ensino declamando e repassando exemplares por uma quantia simbólica, às vezes até gratuitamente dependendo do poder aquisitivo da instituição. A ideia era, em especial, formar novas plateias para o Cordel.
A UEPB e os artistas
Alfrânio é servidor da UEPB há 38 anos e atualmente trabalha no Museu de Arte Popular da Paraíba (MAPP), sendo um dos curadores da parte de Cordel. No local, ele também promove eventos enfatizando a cultura nordestina, e, junto com as atrações, declama suas obras e a de poetas conterrâneos. Além disso, incentiva e colabora com a demanda de novos autores que desejam orientação para publicar o que escrevem.
Artistas plásticos, atores, escritores, cantores, bailarinos, instrumentistas. Passando pelo próprio reitor, Rangel Júnior, conhecido por suas composições e poesias, o maestro Jomar Souza, professor do Centro Artístico, que desenvolve um projeto comunitário no bairro de Santa Rosa, o técnico administrativo da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEP), cordelista Josenildo Maria Lima (J. Lima), um talento que vem despontando e encontrando espaço nos eventos da UEPB, é grande o time que trabalha com a criatividade artística na Instituição.
Por entender que é graças a seus artistas que a UEPB tem a Arte e que é através da Cultura que um povo se reconhece e se orgulha, a Instituição age como um lócus de acolhimento de ideias, de inovação e de apoio, dando suporte, ainda, na medida do possível, para que seus profissionais participem de práticas em que possam aprimorar suas habilidades.
Sobre Campina Grande, o Prêmio e Leandro Gomes de Barros
Já festejada como efervescente quando se fala em engenho e inventividade, mais uma vez Campina Grande teve seu gênio realçado. Além de Alfrânio Gomes de Brito, foram contemplados com a iniciativa o Grupo de Percussão Maracagrande e a Biblioteca Comunitária Livros do Tambor, ambos na Categoria Grupos/Comunidades, e Valentina Monteiro da Silva, filha do poeta Manoel Monteiro, na categoria Herdeiros de Mestres e Mestras In Memoriam.
Lançado em junho deste ano pelo MinC, por meio da Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC), o edital premiou 500 iniciativas com o viés de fortalecer as expressões culturais populares brasileiras. O edital ainda alcançou o maior número de inscrições em seleções públicas já lançadas pela SCDC: ao todo, entre habilitados e inabilitados, foram 2862.
Leandro Gomes de Barros, o homenageado da 5ª Edição do Prêmio, é paraibano de Pombal e nasceu em 19 de novembro de 1865. Com aproximadamente 240 obras na área, é considerado o rei da poesia do Sertão.
Texto: Oziella Inocêncio
Foto: Talitta Uchôa