Uma das vozes mais representativas do teatro nordestino e brasileiro, a dramaturga Lourdes Ramalho, que adotou Campina Grande como lar, daqui irradiando para o mundo toda a genialidade da qual é portadora, comemora 99 anos nesta sexta-feira (23). A Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), por meio da Pró-Reitoria de Cultura (Procult) e do Museu de Arte Popular da Paraíba (MAPP), parabeniza aquela que é considerada a “Gil Vicente Brasileira” e planeja a execução de um painel com um retrato de Lourdes, feito pelo premiado artista gráfico Jô Oliveira, além de uma curadoria itinerante.
A autora já foi laureada diversas vezes pelo Museu, inclusive sendo tema de uma exposição, denominada “Em Cena, Lourdes Ramalho”, em cartaz no período 2017/2018. No ano de 2017, a Coordenadoria de Comunicação (Codecom) da UEPB desenvolveu um vídeo, dirigido por Hipólito Lucena, intitulado “As Luzes de Lourdes”, celebrando o aniversário dela. Na oportunidade, foram encenados dois monólogos lourdesramalhianos no MAPP, com o texto “Mariana”, apresentado por Joh Albuquerque e “Defesa de Caboclo”, com a interpretação de Gilmar Albuquerque. Lourdes também foi publicada pela Editora da Universidade Estadual da Paraíba (EDUEPB), por meio do Selo Latus, com os livros “A Feira” e “Flor de Cacto” e destaque da “2ª Jornada de Estudo sobre Poéticas da Oralidade”, que abordava o tema “Lourdes Ramalho e o Teatro Popular”, ocorrida em 2011 e organizada pela UEPB. Na ocasião, houve o lançamento do livro “A Feira” e o “Trovador Encantado”, na prestigiosa Coleção Arquivos Teatrales da Espanha, em coedição com a Universidade da Corunha e a EDUEPB.
O pernambucano Jô Oliveira é o responsável pela imagem do painel. Há anos o artista se debruça sobre a obra de Lourdes, ilustrando a universalidade dela. Participou, ainda, das homenagens propostas pelo MAPP com seu traço colorido e marcante, criando diversos trabalhos. Neles, Jô expõe os personagens mais excêntricos do imaginário de Lourdes, trazendo à luz figuras lúdicas, trágicas e emblemáticas.
A curadora da Sala 3 [Cordel e Xilogravura] do MAPP, professora Joseilda Diniz, explicou que festejar Lourdes é consagrar todos os autores que cantam o Nordeste, que na riqueza dele se inspiram. De fato, disse Lourdes, certa feita: “Eu não falo do Brasil, falo do Nordeste, do Sertão e de sua cultura. Nosso linguajar, nossos hábitos, todos diferentes do Sul”. Acerca disso, Joseilda pontuou que a poesia e o teatro de Lourdes Ramalho põem em relevo todo um mosaico alicerçado nas tradições do nosso povo. “É como o nordestino é, se sente e está no mundo. Seus escritos respiram o folheto de feira, o cordel, os contos de outrora, a cantoria do repente e as múltiplas facetas das tradições orais de nossa terra, revisitando nelas as influências das raízes ibéricas, mouras e judaicas da nossa região”, assinalou.
Joseilda ressaltou que a curadoria de Cordel estuda a possibilidade de efetivar uma exposição itinerante com tudo que dispõe da autora e que já integrou algumas mostras no Museu. “É muito importante facilitar esse acesso ao mundo visto pela ótica de Lourdes. Ela é uma testemunha privilegiada de um passado-presente, mas uma testemunha ativa que ressignificou cada elemento que por seus olhos passaram. Fatos e coisas são habilmente tecidos na escritura da teatróloga que, com grande sensibilidade, pertinência e humor, revela, nas relações humanas de seus personagens, conflitos e realidades dos indivíduos, seus dilemas existenciais, comumente atrelados às amarras de uma sociedade patriarcal, desigual, machista e desleal, cujos valores pré-estabelecidos inferiorizam todos aqueles que se opõem às suas ‘verdades’ e ‘ditaduras’” asseverou.
Para Joseilda, há mil motivos para se festejar a dramaturga e um deles é que os textos lourdesramalhianos objetivam mostrar o Sertão e o Nordeste na sua autenticidade, como um mundo forte, rico, maravilhoso e original. “Não é o que tantos brasileiros veem ou como até uma parte gostaria que fosse, uma terra de gente pobre, atrasada, primitiva, cheia de superstições. O Nordeste de Lourdes não é essa terra miserável que inventaram os brasileiros do Sul em conivência com certas elites do Nordeste, aliadas do poder sulista. O Nordeste é o palco de permanentes transformações, como o próprio Brasil, por onde a autora transitou, encenando, denunciando e engajando-se em causas sociais”, endossou.
Mais sobre Lourdes Nunes Ramalho, a Lourdinha
Maria de Lourdes Nunes Ramalho ou carinhosamente como a ela se refere a família, Lourdinha, nasceu em 23 de agosto de 1920, em Jardim do Seridó, no Rio Grande do Norte (RN). Reside em Campina Grande desde 1958. É autora de mais de 100 textos teatrais em prosa e em verso (cordel), voltados para o público adulto e infantil.
“Ela traz no gene a herança poética da família Nunes da Costa, aclamada pela longa tradição de poetas e cantadores que o Nordeste ouviu falar, a partir do século XVIII. Descende de uma família cujo trisavô, Agostinho Nunes da Costa Júnior, foi considerado o pai da poesia nordestina. O bisavô, Ugolino Nunes da Costa, fugiu de casa aos 18 anos, para tornar-se cantador, sendo o maior repentista e violeiro de sua época. Era respeitado, ficou conhecido como Mestre Ugolino por muitas gerações de bardos”, apontou Joseilda.
No estrelado currículo literário de Lourdes é difícil selecionar o que de mais distinto se deu em sua carreira prolífica. Pode-se destacar, contudo, algumas passagens: foi laureada várias vezes em Portugal e Espanha, onde seus espetáculos montados pelo encenador galego, Moncho Rodriguez, são bastante populares; teve seus textos estudados por instituições de renome, a exemplo do Teatro Guirigai, em Madri e da Oficina de Dramaturgia e Interpretação Teatral (ODIT), da Universidade de Guimarães, em Portugal; foi contemplada em 1979 com “O Mambembão”, por “As Velhas”, no mesmo país, e agraciada como o melhor espetáculo no Festival Internacional de Expressão Ibérica (Fitei–Porto– Portugal); em 1992, o “Romance do Conquistador” foi escolhido pela Embaixada da Espanha para representar o Brasil nos Festejos de Comemoração do Quinto Centenário dos Descobrimentos; no Brasil, foi premiada pelo antigo Serviço Nacional de Teatro, com os textos: “A Feira”, “Fogo Fátuo”, “Os Mal Amados” e “Eleição”; durante o mês de julho de 1998, como dramaturga de expressão ibérica, foi convidada pela Embaixada da Espanha para fazer uma conferência a respeito da obra de Frederico Garcia Lorca, durante a exposição comemorativa dos 100 anos de Lorca.
“A obra de Lourdes Ramalho é estudada por pesquisadores em todo o Brasil, particularmente, no Nordeste, mas sua dramaturgia atravessou fronteiras, conquistando espaços privilegiados, junto às universidades, centros de arte e pesquisa na Europa. Lourdes é patrimônio cultural e imaterial que devemos proteger, salvaguardando-o, pondo-o em cena, criando políticas públicas e privadas de acesso ao repositório de nossas tradições, que ela representa. Nesse sentido, devem-se elaborar edições e reedições de suas obras, distribuição em escolas e comunidades e, sobretudo, incentivar a circulação de seus espetáculos no âmbito local, regional e nacional. A poetisa, escritora, dramaturga, cordelista, genealogista, compositora e artista, em todas as suas dimensões, é única. E todos que puderam conviver com ela sabem do grande privilégio de tê-la acompanhado, aprendido e recebido sua generosidade. Quase centenária, Lourdes é a prova inconteste do vigor e testemunho vivo do que ela representou e representa para a arte e cultura nordestina e brasileira, mas, igualmente, para a formação de gerações de artistas que ela influenciou no teatro em cordel, na dramaturgia em geral e na poesia dos séculos XX e XXI”, finalizou Joseilda.