Núcleo de Formação, Pesquisa e Experimentação Teatral do CAC trabalha em duas novas montagens
Fundado desde 2017, em Campina Grande, no Centro Artístico Cultural (CAC) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), o Núcleo de Formação, Pesquisa e Experimentação Teatral, coordenado pelo ator, diretor e professor Chico Oliveira, está trabalhando em duas novas montagens. A primeira é provisoriamente chamada “Somos”, enquanto a segunda é “O Censor Federal”, peça de Lourdes Ramalho, escrita em 1983.
“Temos esses dois processos cênicos em curso. O ‘Somos’ é uma dramaturgia que está sendo construída do zero, estamos fazendo pesquisas, laboratórios e diversas experimentações para desenvolver esse espetáculo. Ele surge do cenário pós-pandemia e os temas principais dele são questões universais que perpassam a humanidade, o ser, o estar, o viver e o morrer”, detalhou Chico.
Conforme o professor, a realização de uma montagem é a materialização, para o aluno, da vivência prática do teatro, contemplando a parte teórica aplicada ao conteúdo programático proposto pelo Núcleo. “Desse modo, proporcionamos, também, a experiência da cocriação artística ao estudante. Através dela, ele vai sentir seu poder de comunicação com a plateia. Para nós, simboliza, ainda, alcançar alguns dos objetivos gerais e específicos, propostos no Núcleo, sempre a partir da vivência de relações humanas sadias, mediante o exercício e o ofício da arte de ser ator”, explicou.
O Núcleo nasceu da necessidade de fornecer um espaço de formação, pesquisa e aprofundamento nas artes cênicas, segundo Chico. “Nosso intento é acolher quem busca prosseguir estudando teatro. O Núcleo não possui como premissa a montagem de espetáculos, mas é inevitável. O principal é continuar oferecendo espaço e estímulo para os alunos/artistas. Ele também é aberto a receber convidados em algumas ocasiões, o que vem fortalecer o intercâmbio entre os participantes e as demais pessoas que têm ligação com a arte, com a UEPB”, apontou.
O Núcleo funciona no CAC, de segunda a quinta-feira, das 18 às 21h, sendo a sexta-feira reservada à supervisão e ensaios extras. O ponto de partida é o aprendizado e a experimentação teórico-prática de algumas filosofias e métodos científicos, baseados em conteúdos de estudiosos no assunto — entre os principais figuram Constantin Stanislavski, Jerzy Grotowski e Eugênio Barba, como citou o professor.
Criação como lugar de descoberta
“Stanislavksi foi o primeiro a conseguir sistematizar o trabalho do ator, a ajudar o ator a tecnicamente fazer sua arte. Ele valoriza muito o ser humano, o que o ser humano pensa, sente. Não é uma coisa mecânica. Eu acredito num teatro que não aposta somente na ‘virtuosidade’, não gosto do virtuosismo, é fundamental ter técnica, mas a humanidade contempla inúmeros aspectos, várias camadas. O homem é o corpo físico, mental, emocional. E nós, atores, afinal, somos representantes da humanidade. Eugênio Barba já é uma espécie de antropologia teatral, é quase o oposto de Stanislavski, mas existem ecos nos saberes dos dois, que se confluem”, pontuou Chico.
Para Chico, no contexto de aprendizado teatral, absolutamente nada se perde. “Eu sou apaixonado pelo processo. Nesse sentido, Grotowski é uma das minhas maiores inspirações, pois também valoriza muito isso e a pesquisa. Ele faz uma construção do teatro e não é mercadológico. Se você tomar um café, conversar sobre o assunto, dialogar, já é o processo. A partir desse diálogo tudo começa, é um ensaio ali, a gênese da ideia que vai se transformando, sendo recriada, crescendo. A gente não precisa saber de tudo toda hora, criar é um lugar de descoberta”, destacou.
Conforme Chico, toda a atividade do Núcleo é fundamentada em princípios científicos basilares, percorrendo desde o teatro épico ao contemporâneo. “Para isso, contamos com o apoio total da UEPB, através da Procult/CAC, possibilitando as condições materiais e humanas “, asseverou. Alguns trabalhos postos à luz pelo Núcleo foram “O Glorioso Retorno de Lili Chaves”, “Delírios Quixotescos” e o ato performático “S@natorium”. Atualmente, o Núcleo é composto por 9 integrantes, sendo que já concluíram seus estudos nele mais de 140 alunos.
Espaço de estímulo
Atriz, bonequeira e palhaça, Emilia France, de 56 anos, residente no Bairro das Três Irmãs, é uma das convidadas que compõem o Núcleo, na atualidade. Ela também vai estar na peça “O Censor Federal”. “É muito importante que a UEPB disponha desse espaço de estímulo ao teatro na cidade. O CAC é conhecido pela movimentação artística, tem de percussão até dança clássica, essa é a referência de CAC, para mim. Além disso, no Festival de Inverno, o local recebeu, através do Núcleo e da coordenação de Chico, vários artistas e a própria programação do evento, com workshops e peças, em um momento de bastante integração e intercâmbio entre os estudantes, atores, professores e diretores. Os participantes do Festival ficaram encantados, já que no Rio de Janeiro e em São Paulo eles não têm esse espaço de estruturação do teatro que possuímos, lá é difícil encontrar, a não ser quando se trata das companhias mais antigas”, disse.
Alberto da Silva Rocha, 33, morador do Bairro dos Cuités, encontrou no Núcleo o lócus ideal para conhecer mais intimamente o universo teatral. “A experiência é muito proveitosa. É possível aplicar na nossa vida vários temas trazidos pelo teatro. Eu me vejo diferente, sou tímido e melhorei um pouco nesse aspecto. Sabia que Chico tinha uma carreira consolidada como ator e esperei abrir vagas para ingressar na atividade. Ele faz parte da história do teatro de Campina e era uma pessoa que eu já admirava. No teatro, a gente se questiona como pessoa, ao outro e a própria realidade e isso reflete na arte feita. E tem a troca com o público, as impressões de quem faz e de quem assiste, a gente quer de certo modo causar impacto na plateia”, afirmou.
Para Maria Gorete Leitão de Souza, 48, que reside no Bairro das Três Irmãs, o Núcleo significa não apenas aprendizado, mas o estar em contato com quem verdadeiramente gosta de teatro. “Faço dança desde criança e por meio dela também se trabalha a questão teatral, mas eu sempre tive vontade de fazer um curso específico na área, então quis aproveitar essa oportunidade. Minha ideia era seguir estudando e pesquisando, e o Núcleo se alinhou totalmente às expectativas, porque realmente acolhe quem busca esse aprendizado contínuo. Com o Núcleo, já estive em três montagens e foi maravilhoso tudo que absorvi aqui”, explicou.
Também convidado do Núcleo e componente da montagem da peça escrita por Lourdes Ramalho, o ator e diretor Élio Paulo Penteado de Araújo, 80, conta com mais de 44 anos de atividade artística. “Chico entende as artes cênicas de um jeito muito parecido com o meu e o texto de Lourdes é contundente e contemporâneo. Aceitei o convite prontamente e vejo o Núcleo como um endereço que abriga nossa arte, onde ela pode ser construída e desenvolvida”, assinalou.
Mais sobre Chico Oliveira
Presença marcante quando se fala em arte na Rainha da Borborema, Chico Oliveira é conhecido principalmente pelo brilhantismo com que conduz seus espetáculos. Nenhum expectador atento sai incólume de suas aparições.
É ator desde 1982 com participações, indicações e premiações em festivais nacionais e internacionais. Tem também formação em palhaçaria. É dramaturgista, adaptador, diretor, cenógrafo e figurinista de espetáculos para teatro. Coordenou o Curso de Formação de Atores do Teatro Municipal Severino Cabral (TMSC), de 2008 a 2013. Esteve à frente do “Leituras Dramatizadas” no SESC Centro e de vários espetáculos teatrais. É diretor artístico e sócio-fundador da Bodopitá Companhia de Teatro.
Chico é psicoterapeuta pela UEPB e especialista em Produção e Gestão Cultural, por meio da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Também é especialista em Teatro Playback, pelo Center for Playback Theatre (USA), e um dos fundadores da São Paulo Playback Theatre, nela trabalhando por 8 anos consecutivos. Atua, igualmente, na área de Recursos Humanos, em treinamento e desenvolvimento de pessoas, usando o Teatro Playback como ferramenta.
Há 4 anos é coordenador e curador da Mostra de Teatro do Festival de Inverno de Campina Grande. Foi um dos coordenadores do Festival Palco Giratório (SESC/CG) e curador nas Mostras Ariús e Curumim da mesma instituição. A partir de 2016, passou a atuar como docente/arte-educador do Instituto Solidarium, no Projeto Tamanquinho das Artes, que tem como público-alvo crianças em situação de vulnerabilidade social, na Feira Central de Campina. Desde 2017, é professor do Centro Artístico Cultural da UEPB e coordenador do Núcleo de Formação, Pesquisa e Experimentação Teatral.
Texto: Oziella Inocêncio
Fotos: Divulgação
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