Pesquisa desenvolvida na Pós de Literatura e Interculturalidade estuda benzedeiras do Brejo paraibano
Uma pesquisa que procura inventariar as reminiscências da cultura popular no Brejo paraibano, ressignificando a cultura das benzedeiras está sendo desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Literatura e Interculturalidade (PPGLI) da Universidade Estadual da Paraíba (UEBP), em cooperação com a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq-PB).
O estudo busca registrar e divulgar os rituais de benzimento e todo o conhecimento de ancestralidade das benzedeiras, também chamadas rezadeiras, e suas relações com os encantados. O projeto de pesquisa, em nível de estágio pós-doutoral, é de autoria de Radamés Alves Rocha da Silva, sob supervisão do professor do PPGLI, Marcelo Vieira da Nóbrega.
De acordo com o projeto, trazer à tona a ressignificação de registros da arte das benzedeiras é uma questão bastante emergencial, dada a morte iminente das fontes primárias que fundem o objeto de pesquisa. A intenção é se partir da ideia de que a figura das benzedeiras tem uma relação intrínseca com os seres elementais ou entidades da natureza. A maioria são senhoras, de idade avançada, que, na sua espiritualidade, conversam, aprendem e têm os encantados como mentores.
De acordo com o autor do estudo, o apagamento dessas figuras, especialmente, aquele derivado do avanço das religiões neopentecostais pela zona rural, contribui para a extinção de toda uma ancestralidade de orações, rituais de cura, por meio das plantas medicinais, aconselhamentos de experiências de vida, já que interferem, drasticamente, na “conversão” e no silenciamento dessas senhoras.
O universo da pesquisa envolve várias categorias de sujeitos, desde trabalhadores(as) do campo, donas de casa, crianças, educadores, escritores, pesquisadores da área, agentes culturais, entre outros. A escolha da região do Brejo paraibano como ponto de coleta de dados dar-se-á tendo em vista as pesquisas já desenvolvidas e a partir do trabalho como contador de histórias do pesquisador.
Radamés conta que já vinha pesquisando ou registrando espontaneamente rezadeiras do Brejo desde 2014. Ele é paraibano e até há pouco morava em São Paulo, mas sempre que voltava, “procurava visitar meus entes queridos e aproveitava para rezar”, disse. “Comecei a observar algumas perdas/partidas como meus avós. Então, fui coletando no meu celular algumas rezas e benzimentos para não se perder, posto que muito deles, morrendo com todo esse conhecimento ancestral, não repassava para ninguém por diversos fatores: falta de interesse de alguém, deslocamento geográfico ou até mesmo preconceito social ou religioso”, relatou o pesquisador. O projeto como pesquisa sistematizada começou como pós-doutoramento no PPGLI, em março deste ano.
Para a pesquisa, será feita uma triangulação entre as cidades de Areia, Remígio e Esperança, na região do Brejo paraibano. Ele explica os motivos: “Nasci em Remígio e sempre morei no Distrito de Muquém, na zona rural de Areia. Cresci envolvido e em contato com diversas benzedeiras. E hoje, moro e trabalho como professor em Esperança e em Areia. Com isto, meus alunos são grandes colaboradores e articuladores em sinalizar geograficamente as benzedeiras na região”, comentou.
Ele conta que o que o levou a escolher este tema de pesquisa foi a morte de algumas benzedeiras e benzedeiros, como fonte primária de um arcabouço de conhecimento ancestral com benzimentos, rituais, aconselhamentos, experiências de vida, remédios caseiros e experiências ou simpatias de vida, como por exemplo, sinais de chuva para um bom inverno e colheita com fartura. “Até o momento, estamos ampliamos o repertório e as referências teóricas, e contactando as possíveis benzedeiras para uma entrevista sistematizada, não só sobre os rituais e seus conhecimentos, mas também sua história de vida”, explicou.
O professor da UEPB, Marcelo Vieira, comentou que a cultura milenar das benzedeiras/rezadeiras, junto ao aboio, ao cordel, a cantoria de repente, dentre outras, constitui-se como um braço poderoso das tradições orais, cujo protagonismo maior se potencializa na força do fenômeno da voz, extensão de um corpo em performance. “Ressignificar suas pegadas num estágio pós-doutoral em uma pesquisa no Brejo paraibano é trabalho que se reveste de grande importância. A linha de pesquisa da qual faço parte, dentre muitas abordagens teóricas, se preocupa com as experiências de vida e memória, individual e coletiva, refletindo sobre as relações de poder implicadas em tais formações, com especial interesse pelas formas de diálogo entre as literaturas erudita e popular. Portanto, trazer à tona tais registros de memória, suas implicações na contemporaneidade, resistir aos apagamentos, dar o devido protagonismo às chamadas culturas de borda, deve estar na ordem do dia”, afirmou o docente, louvando a iniciativa da Fapesq/PB que, por meio do PPGLI, possibilitou tal pesquisa.
Radamés Alves Rocha da Silva é mestre e doutor em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Cursou Licenciatura em Artes Visuais no Centro Universitário Claretiano (Ceuclar-SP), é especialista em Design da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e graduado em Design Industrial pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). É professor de Educação Básica do Governo do Estado da Paraíba e leciona na Prefeitura Municipal de Areia (PB) e do curso de Educação Patrimonial do Instituto Federal de Educação da Paraíba (IFPB), Campus Areia.
O professor Marcelo Vieira da Nóbrega é docente permanente do PPGLI e pesquisador das poéticas do oral e líder do Grupo de Pesquisa de Estudos da Oralidade (GRUPEO).
Texto: Juliana Rosas