Pesquisa desenvolvida na UEPB apresenta reflexões sobre feminismo negro e desigualdades de classes sociais
Historicamente constituída por elementos que reforçam uma cultura patriarcal, machista e misógina, a situação das mulheres no Brasil reflete uma conjuntura que, associada a elementos de raça, religião, entre outros, constitui um cenário de discriminação, violência e exclusão que incide sobre a realidade econômica, social e cultural de uma parcela da sociedade. A partir disso, foi criado o projeto de pesquisa “Feminismo negro, desigualdade social e interseccionalidade no Brasil de 1970 aos dias atuais”, que é coordenado pelo professor do Câmpus V da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Paulo Roberto Loyolla Kuhlmann.
O projeto, aprovado no edital do Programa de Iniciação Científica (PIBIC), na cota 2021/2022, busca averiguar o histórico do movimento feminista negro no Brasil, desde 1970, quando um grupo de pensadoras e ativistas negras, problematizam a falta de uma abordagem interseccional nas pautas de gênero e de raça pelos movimentos sociais. Essa mobilização já havia sido registrada nos Estados Unidos décadas atrás, conforme aponta a filósofa Angela Davis, quando feministas negras expressaram o descontentamento com o movimento feminista da época, voltado a mulheres brancas de classe média e alta, e com as mobilizações sobre questões de raça, que baniam debates de gênero.
O professor Paulo Kuhlmann avalia que “o silêncio no movimento feminista representa as opressões que as mulheres negras vêm passando e que aumentam em relação às brancas, não sendo uma questão unicamente cultural, mas, negando a identidade e até mesmo perseguição em relação a religiosidade afrodescendente, como o candomblé. Existe a lei federal 10.639 de 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira nos currículos de educação básica, com o intuito de contribuir para o combate ao racismo nas escolas e apresentar as diversas culturas existentes no Brasil, porém, silenciadas, com a finalidade de garantir mais oportunidades e reivindicar espaços diante das injustiças”, explica o docente.
A bolsista de PIBIC vinculada ao projeto, a estudante de Relações Internacionais, Thaillane Nobre, relata que não há como quantificar e nomear pessoas em sua pesquisa, considerando que os aspectos da realidade da mulher preta e de suas consequências são silenciados. Neste sentido, o estudo baseia-se em livros, revistas, entrevistas, periódicos e artigos. Os objetivos se estendem em analisar como a interseccionalidade contribui no feminismo negro na discussão sobre as desigualdades sociais no contexto brasileiro desde 1970 até os dias atuais, apresentando conceitos de desigualdade, classe e racismo, e em contrapartida contextualizar a abordagem de equidade.
“Eu vim de uma cidade pequena e meus pais, mesmo sendo professores de rede pública, eram extremamente pobres. Por não terem condições de pagar uma babá, eu era levada para o trabalho deles. Nessa época pude ver a desigualdade social e vivenciar isso. Pude perceber essas diferenças de classe social dentro da sociedade, e nesse repertório pude também aprender que, apesar da gente ascender socialmente, há muitas pessoas que ficam diante desse processo para trás. Então eu resolvi estudar essa temática porque me sinto tocada para trabalhar com essa abordagem, por viver numa sociedade machista, patriarcal, ser negra e também descendente de índio, e posso dizer que, no âmbito geral, tem sido algo bastante positivo para mim, por ter sentido essa identificação com o tema proposto”, afirma Thaillane.
No Brasil, embora 27,8% da população seja de mulheres negras, estas vivem à margem da sociedade. De acordo com o Atlas da Violência de 2021, 60% das mulheres assassinadas no Brasil são negras. Além da violência, o desemprego é um dos problemas que atinge, sobretudo, essa parcela da população. Segundo dados do IBGE, grande parte dessas mulheres vive nas periferias, são trabalhadoras do setor informal e desempregadas.
Diante dessa realidade, a partir do final de 1970, em uma perspectiva interseccional, o movimento feminista negro consolidou-se no Brasil, com ações que visavam evidenciar a importância da questão étnico-racial para resgatar os direitos humanos de mulheres negras que eram negados. São destaques desse movimento pesquisadoras como Lélia Gonzalez, Aparecida Sueli Carneiro, Nubia Moreira e Djamila Ribeiro.
Texto: Luciana Vasconcelos (Estagiária)