Pesquisadora da UEPB tem artigos sobre a Caatinga publicados em dois periódicos internacionais
A pesquisadora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Maiara Bezerra Ramos, teve dois estudos publicados recentemente em periódicos internacionais. Bióloga e mestre em Ecologia e Conservação pela Instituição, além de doutora em Etnobiologia e Conservação da Natureza pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Maiara também atua como pesquisadora do Laboratório de Ecologia Integrativa (EcoTropics) da UEPB.
Em ambos os artigos, a Caatinga foi o cerne da abordagem e tal fato tem explicação: Maiara é a mais nova entre os quatro filhos de uma família de agricultores, residente na zona rural do município de São João do Cariri (PB), e desde muito cedo a região causou grande impressão nela. “Acompanhei meus pais na vida do campo. A relação que eles desenvolviam com tudo que os cercava, despertava meu interesse e curiosidade. Na educação básica, fiquei cada vez mais fascinada por questões ambientais da Caatinga, o que me levou a escolher o curso de Ciências Biológicas”, contou.
O primeiro artigo “The role of chronic anthropogenic disturbances in plant community assembly along a water availability gradient in Brazil’s Semiarid Caatinga region” figurou na Forest Ecology and Management. Nele, é investigado o efeito sinérgico existente entre distúrbios e variáveis climáticas sobre a composição, estrutura e riqueza de espécies de plantas em comunidades vegetais da Caatinga, submetidas a diferentes condições ambientais.
A segunda publicação “Functional traits drive the selection of plant species used by agropastoralists in the Brazilian Semiarid region” ocorreu na Economic Botany. O artigo aparece em uma edição especial da revista, sendo uma de suas figuras a capa do exemplar. “O estudo fornece informações essenciais a respeito da complexa interação entre humanos e plantas na Caatinga. Nós integramos o conhecimento ecológico local com a ecologia funcional para delinear os perfis de espécies de plantas usadas por agricultores no semiárido brasileiro”, explicou a pesquisadora.
Atualmente, Maiara é professora do Colegiado de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Vale do São Franscisco (Univasf), ministrando as disciplinas de Botânica Fanerogâmica e Farmacobotânica. Vale o adendo que, da educação infantil até a conclusão do doutorado, a trajetória escolar e acadêmica dela se deu em instituições públicas. “Meus pais sempre me incentivaram para que prosseguisse com os estudos, apesar de eles mesmos terem pouca instrução referente à educação formal. Inclusive, embora minha mãe tenha estudado apenas até a 3ª série do Fundamental I, ela foi a responsável pelo meu processo de alfabetização”, enfatizou.
Nesse cenário, o tempo todo interligado à ruralidade, Maiara destacou seu amor genuíno principalmente às universidades — para ela, um dos maiores vetores de conhecimento no mundo e progresso social. “A UEPB foi fundamental. Através dela, por exemplo, acredito haver contribuído para quebrar o preconceito enfrentado por nós mulheres, nordestinas e agricultoras. O apoio oferecido pela UEPB, por meio das bolsas de estudo, financiamento de projetos de pesquisa, a oferta de infraestrutura, ser auxiliada por profissionais qualificados, é um conjunto essencial à realização dessas pesquisas. Além da UEPB, houve o suporte de outras instituições, a exemplo do CNPq, Capes e Fapesq”, elencou.
Paisagem negligenciada
Conforme Maiara, a Caatinga ocupa a maior porção dos estados do Nordeste brasileiro, é um ecossistema diverso, em termos biológicos, geológicos, climáticos, de histórico de uso e ocupação do solo, e das populações humanas. “Temos uma enorme riqueza de paisagens, por muito tempo negligenciada. E você se pergunta: como pode acontecer essa enorme heterogeneidade na vegetação, em curtos espaços?”, disse ela.
E foi assim que, a partir desse primeiro questionamento, surgiu a ideia central de um dos capítulos da tese de Maiara, que desaguou no artigo publicado pela Forest Ecology and Management. “Esse estudo forneceu novos insights relacionados à estruturação da comunidade em florestas tropicais sazonalmente secas como a Caatinga e teve grande aceitação na comunidade científica. Chamamos de distúrbios antrópicos crônicos todas as atividades humanas que provocam alterações sutis no ambiente, mas que são contínuas. A criação de rebanhos, a extração de madeira para lenha e carvão, a retirada de produtos florestais para fins medicinais, são exemplos de distúrbios antrópicos crônicos. Como em outras formações florestais, a Caatinga também passa por perturbações decorrentes dessas ações”, explanou.
Em linhas gerais, a pesquisa demonstrou que os distúrbios antrópicos crônicos são mais severos nas áreas mais áridas. “As regiões com menor índice pluviométrico e temperaturas mais elevadas apresentam maior dificuldade em manter a dinâmica natural e o restabelecimento das espécies após os distúrbios, o que resulta em uma comunidade menos desenvolvida, com baixa diversidade de espécies. Áreas com maiores distúrbios antrópicos possuem um menor número de plantas que têm diâmetro reduzido, além disso, essas áreas detêm um número elevado de plantas mortas”, detalhou.
O começo de tudo
Maiara ingressou no curso de Ciências Biológicas em 2010 e, em meio ao amplo espectro de subáreas da Biologia, foi a Ecologia que capturou mais a atenção dela. Em 2012, a estudante conheceu o professor Sérgio de Faria Lopes, na disciplina de Ecologia de Populações e Comunidades. “Vi o quanto ele era idealista e gostava do que fazia. Na primeira aula, ele discorreu a respeito da sua caminhada docente, planos futuros, pesquisas e eu só conseguia pensar: ‘é isso que quero para mim, é assim que quero ser’”, narrou.
Entusiasmada, Maiara decidiu procurar o professor. “Na mesma semana, falei sobre o meu interesse em entrar como estagiária no laboratório por ele coordenado, naquele momento denominado de Laboratório de Ecologia Vegetal (Leve), hoje chamado de EcoTropics. Desde então, passei a desenvolver pesquisas com Ecologia Vegetal na Caatinga, sob sua orientação”, assinalou.
Aluna dedicada, durante a graduação Maiara não perdia eventos científicos, publicou resumos simples, trabalhos completos e iniciou várias colaborações que trouxeram felizes resultados. “Em uma dessas iniciativas, conheci o professor Jorge Meave da Universidade Autônoma do México (UNAM) e estabelecemos uma parceria, que perdura até a atualidade. Tais experiências foram imprescindíveis para constituir habilidades de escrita e pesquisa, que me permitiram prosseguir na carreira acadêmica”, informou.
Em 2018, Maiara ingressou no Doutorado de Etnobiologia e Conservação da Natureza – programa em rede, funcionando a partir de algumas instituições, incluindo a UEPB. “No doutorado estive, igualmente, sob orientação do professor Sérgio Lopes e coorientação de Jorge Meave. Na graduação e no mestrado, criei meu projeto analisando aspectos da vegetação da Caatinga pela linha da Ecologia pura. Porém, no doutorado, surgiu o interesse de abarcar outras ciências, abrangendo o componente humano nas respostas em relação à estrutura e diversidade da vegetação da Caatinga”, ressaltou. Desse modo foi se formando o estudo que saiu na Economic Botany.
Prever como a dinâmica das interações humanas, incluindo a seleção de espécies por sociedades rurais, influencia as comunidades vegetais, pode ser um campo complexo, tendo em vista que diversos fatores estão atuando ao longo do tempo e espaço, segundo apontou a pesquisadora. “Em ambientes heterogêneos, como é a Caatinga, isso se torna ainda mais notório. A presença humana na região do Cariri paraibano remonta a aproximadamente 10.000 anos BP. E, ao longo do tempo, essas populações estabeleceram uma dinâmica com os recursos presentes no ecossistema. A agricultura de subsistência e a criação de pequenos rebanhos estão entre as principais atividades desenvolvidas nessa região, o que levou a elaboração de um vasto conhecimento acerca da dinâmica dos sistemas”, disse.
Conforme apurado pelo estudo, existem relações intrínsecas entre os serviços ecossistêmicos e as características funcionais das plantas. Os agricultores entrevistados apontaram características das plantas que os orientam na seleção de espécies para diferentes fins. “Por exemplo, a densidade da madeira é relevante para determinar as preferências do agricultor nas categorias de combustível e construção devido à sua relação com a durabilidade da madeira. Além disso, características foliares como espessura, área e teor de nitrogênio são importantes, pois determinam a palatabilidade das folhas e, portanto, são um critério relevante para seu uso como forragem. A abordagem deste estudo representa uma ferramenta poderosa para entender a provisão de serviços ecossistêmicos para sociedades humanas, permitindo uma troca de informações entre pesquisadores, gerentes de recursos e agências de conservação da biodiversidade da Caatinga”, concluiu Maiara.
Resiliência da Caatinga em xeque
Conforme apontado pelos trabalhos de Maiara, urge a conservação da Caatinga. Descobriu-se, por exemplo, que o “Croton Blanchetianus” e a “Mimosa Ophthalmocentra”, conhecidos como marmeleiro e jurema vermelha, respectivamente, foram as espécies com maior número de indivíduos mortos. “Alertamos sobre a fragilidade dessas espécies, frente a um cenário de mudanças climáticas globais e como isso pode refletir não só na estrutura das comunidades vegetais, mas na oferta de serviços ecossistêmicos para a população humana”, pontuou.
Outras considerações relevantes são as alterações no solo, já que as áreas mais impactadas pela ação dos distúrbios antrópicos apresentam também uma maior compactação dele, o que dificulta a infiltração de água e, consequentemente, o restabelecimento da vegetação. “Noutra esfera do problema, áreas com menor pluviosidade e sujeitas a alto grau de distúrbio antrópico crônico emergiram como as mais vulneráveis, por abrigarem baixa diversidade de espécies e mostrarem uma composição de espécies altamente homogênea, tanto para indivíduos adultos quanto jovens. A baixa diversidade registrada para o estrato em regeneração, levanta preocupações no que tange à resiliência da Caatinga, pois sugere uma potencial mudança da vegetação para um estado estável alternativo”, enfatizou.
Assim, os resultados sugeriram que a combinação de baixa cobertura vegetal, baixa precipitação e altos distúrbios antropogênicos leva a cenários propensos à desertificação, que podem resultar em colapso do sistema socioecológico da Caatinga. Portanto, as florestas nessa situação devem ter alta prioridade para planos de manejo, recuperação e restauração da vegetação, de acordo com Maiara.
Ela ressaltou que todos esses achados são imprescindíveis para fornecer subsídios para compreender a dinâmica da Caatinga e estabelecer medidas de conservação. “As publicações significam a consolidação de um trabalho árduo e longo sobre o estudo desse ecossistema, constituindo motivo de orgulho e alegria pela divulgação dessas pesquisas e parcerias estabelecidas em meu caminho de vida, bem como o crescimento pessoal e profissional proporcionado. Considerando os desafios presentes na promoção de pesquisa no Brasil e as ameaças à biodiversidade da Caatinga, é uma honra poder perpassar a teoria e trazer contribuições significativas paras as demandas da sociedade”, finalizou.
Texto: Oziella Inocêncio
Foto: Divulgação (Arquivo pessoal)
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