Pró-reitoria de Cultura inicia projeto voltado à discussão sobre depressão e suicídio nas escolas públicas de Campina
Estreou na noite de quarta-feira (7), no Teatro Municipal Severino Cabral (TMSC), em Campina Grande, a performance “Convite para a Vida”, inspirada em uma peça do dramaturgo Saulo Queiroz. A atividade é parte do projeto “Convite para a Vida – Uma reflexão sobre a existência a partir da arte”, idealizado pela Pró-reitoria de Cultura (PROCULT) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), coordenado pelo professor e pró-reitor adjunto de Cultura, José Pereira da Silva, que também é diretor do Museu de Arte Popular da Paraíba (MAPP) e docente do Departamento de Psicologia da Instituição.
De acordo com o professor, a ideia surgiu com o propósito de discutir temas urgentes para a saúde mental, tendo em vista especialmente os altos índices de depressão e suicídio na contemporaneidade. “É consenso que a arte e a cultura são importantes aliadas, instrumentos capazes de ‘salvar’ as pessoas em seus momentos de maior vulnerabilidade psicológica. Quem se envolve em atividades desse tipo, consegue até mesmo responder melhor aos desafios da vida moderna”, explicou Pereira. Ele acrescentou que, inclusive, o ambiente escolar pode trazer um alto grau de violência e intolerância, sendo a arte uma maneira de enfrentar tal realidade, auxiliando também na aprendizagem dos alunos que estão na faixa etária de transição entre a infância e a adolescência. Por isso, a iniciativa contempla estudantes do 9º ano, de quatro escolas da Rede Pública Municipal de Ensino de Campina Grande, e os professores vinculados a essas turmas.
A meta é apresentar a performance a mil discentes e 40 professores, bem como realizar a palestra “A Vida e seus Sentidos: Sobrevivendo aos Desafios da Vida Contemporânea” para este público. A preleção dispõe, como referencial teórico, da Abordagem Centrada na Pessoa (Carl Rogers) e da Logoterapia (Viktor Frankl).
“Assim, a iniciativa permitirá que os estudantes reflitam a respeito das adversidades, que podem ser encontradas tanto na escola quanto no contexto familiar. Nosso intento, com isso, é colaborar para uma maior compreensão de algumas circunstâncias da existência, para que, deparando-se com situações de grande dificuldade, eles enxerguem todos os ângulos, mantenham-se conscientes e que haja para eles a possibilidade de diminuir seu próprio sofrimento mental”, destacou. Conforme Pereira, nas apresentações, palestras e debates haverá, ainda, um profissional em Libras, na perspectiva de proporcionar mais acessibilidade ao tópico.
As práticas acontecem via financiamento do Governo Federal, através da Lei Paulo Gustavo, sob a operacionalização da Secretaria de Cultura (Secult) da Prefeitura Municipal de Campina Grande (PMCG).
A morte em performance
A peça de Saulo Queiroz é uma comédia, chamada “Convite para a Morte”. Já a performance tem caráter dramático. A direção é do professor do curso de Teatro do Centro Artístico Cultural (CAC) da UEPB, Chico Oliveira. Em cena, estão Chico e o aluno do referido curso, Gabriel Tavares. “O texto foi escolhido porque lá no escrito original, o suicida está em uma situação que muitas vezes eu localizo na sociedade, em que as pessoas vivem quadros difíceis com a família e se defrontam com vários obstáculos para seguir na vida. Além disso, embora possua essa característica um pouco mais carregada, em sua totalidade a mensagem é positiva”, contou Pereira.
Presente à estreia, Saulo Queiroz aprovou a performance, que foi toda idealizada por Chico e portava diversos efeitos de sonoplastia. “A montagem ficou absolutamente brilhante. Não estamos muito habituados a ver essa linguagem por aqui. A gente chega esperando aquele formato de peça tradicional, das falas propriamente ditas, etc., e a escolha estética de Chico foi perfeita, ele colocou a trilha sonora como coadjuvante, dá para entender tudo que está se passando em cena, pela marcação que ele criou. Fiquei emocionado, porque transporta a plateia exatamente para o ‘quebra-cabeça mental’ em que está essa pessoa, mostrando como ela se sente atormentada. Transmite a aflição e esse momento de intensa dor emocional e dilema, entre viver ou acabar com a própria vida. Eu considero falar da morte algo super pertinente, até para que possamos aproveitar as circunstâncias positivas do nosso existir. Ter a morte em face, também faz com que a gente valorize o convívio com as pessoas que amamos, já que isso pode, brevemente, tornar-se uma lembrança”, disse Saulo.
O dramaturgo revelou que, quando o texto foi escrito, o maior objetivo dele era retirar o véu do estigma com que usualmente é vestida a figura do suicida. “Inclusive há uma questão religiosa ainda bem presente a respeito do tema. Da maneira que vejo, o suicida ou quem tenta o suicídio, a exemplo do meu protagonista, é uma pessoa que está em um sofrimento enorme, é como se ela sentisse um desencaixe, não encontrasse seu lugar no mundo, seus pares, sua importância no contexto em que vive. Mas ao mesmo tempo é como se, em geral, a compaixão da sociedade não alcançasse o suicida ou quem passa por essa tempestade existencial e empreende a tentativa. É visto como um ato de fraqueza, egoísmo, enfim, de modos que não são nada sensíveis, então escrever essa peça teve a ver com isso, focar no não julgamento, no entendimento. Eu queria evitar essa superficialidade corriqueira, com que às vezes somos inclinados a tratar do tema. Meu desejo era que as pessoas enxergassem isso com a devida profundidade e compreensão, colocando-se no lugar do outro e sentindo os sentimentos dele”, assinalou.
O som e a fúria
Chico Oliveira começou a trabalhar no texto de Saulo Queiroz, a partir de abril deste ano, para que tudo se encaixasse na proposta do projeto. “A performance foi pensada de modo a causar impacto na plateia, mostrando esse duelo entre a morte e o suicida. E a sonoplastia, captando um trecho original da peça, tem esse propósito de expor a intensidade do sofrimento e como a pessoa está atordoada pelas dores psicológicas”, explanou. Assina o figurino Emília France e a maquiagem é feita por Goreth Leitão. Já a gravação e o desenho de som são de Romero Coelho, com a PXLab Estúdio.
Nessa espécie de “recorte” do texto original, a passagem do tempo está presente, como pontuou Gabriel Tavares. “A narrativa não se passa em um único dia, mas comtempla diferentes momentos em que a morte está com ele”, detalhou o ator. Gabriel participou do curso de Formação Básica do CAC, em 2017, e protagonizou o espetáculo igualmente dirigido por Chico, “O Glorioso Retorno de Lili Chaves”, de autoria de Hermano José [1943-2014].
Após a performance, o público foi convidado a conversar sobre o tema abordado. Luzinete da Silva Andrade, de 45 anos, residente no bairro da Bela Vista, em Campina, trouxe um depoimento relacionado ao filho dela, atualmente com 25 anos. “Na adolescência, ele começou a ingerir bebida alcoólica, o comportamento mudou de um jeito drástico, o que abalou a família inteira. A depressão é uma doença que se instala lentamente, mas é muito perigosa, pois de repente pode acontecer daquela pessoa partir. Isso não ocorreu com meu filho, ele conseguiu se recuperar. Acho que o mais importante é que a gente possa acolher os outros em suas dores. Há todo um preconceito envolvido e às vezes isso é exatamente o que faz a pessoa se isolar e se precipitar nesse ato”, ressaltou.
Texto: Oziella Inocêncio
Fotos: Hugo Tabosa (Divulgação)
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