Situação dos venezuelanos na Paraíba é tema de pesquisas desenvolvidas no curso de Relações Internacionais

29 de junho de 2021

Conteúdo de componentes curriculares da graduação e pós-graduação, temática de projetos de pesquisa e extensão, a acolhida aos refugiados tem sido uma preocupação latente no processo de formação dos alunos do curso de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). E a partir do conhecimento desenvolvido por pesquisadores da Instituição sobre o tema, diversos estigmas sociais associados a esse público, que são propagados através da desinformação, podem ser desconstruídos e, embora este não seja o objetivo principal destas iniciativas, configura-se como um desdobramento do trabalho realizado no ensino, pesquisa e extensão.
O Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Deslocados Ambientais (NEPDA), que integra a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), e desde 2014 conta com a Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM) a ele vinculada, têm desenvolvido grande parte destas iniciativas no âmbito institucional, através da publicação de livros, artigos e dissertações, teses e demais pesquisas acadêmicas.
No âmbito da extensão o projeto “Ensino do Português como Língua de Acolhimento para Refugiados e Solicitantes de Refúgio Venezuelanos na Paraíba”, coordenado pelas professoras Andrea Pacífico e Mônica Santana, com a participação de estudantes de graduação e pós-graduação em Relações Internacionais da UEPB, conta com diversas atividades, como a oferta de aulas de português para imigrantes venezuelanos e a publicação do e-book “Português como língua de acolhimento (PLAc)”, pela Editora da UEPB (EDUEPB).
O livro reúne noções de gramática, documentação, dicas relacionadas a questões socioculturais do Brasil, entre outros temas, conteúdo utilizado no acompanhamento dos imigrantes das Aldeias SOS de João Pessoa, visitadas uma vez por semana por integrantes do projeto. A graduanda do 7º período de Relações Internacionais, Mariana Teixeira, que atuou como voluntária do PLAc, destaca a importância desse trabalho.
“Nossa intenção era contribuir com a inclusão desses imigrantes. Considerando que eles tinham pressa em aprender, buscamos desenvolver um conteúdo o mais prático possível para que eles pudessem ter condições de locomoção, trabalho, acesso aos serviços de saúde  e educação. E durante nossas atividades pudemos presenciais nossas expectativas e as deles sendo alcançadas. Para mim esse projeto trouxe não apenas frutos acadêmicos, com a publicação de artigos, banners, mas, crescimento pessoal”, avaliou a estudante.
A mestre em Relações Internacionais pela UEPB, Sarah Silva, que apresentou a dissertação com o tema “A integração local dos migrantes forçados venezuelanos na Paraíba (2018 – 2020)”, e que também atuou como monitora do PLAc, destaca que o trabalho junto aos venezuelanos possibilitou o entendimento de que era necessário pesquisar sobre os aspectos da integração local destas pessoas no estado devido às suas vulnerabilidades. “Também vi a importância de entender como os atores locais (estado, município, ONGs, academia) se articulavam para efetivar a integração de um público que advém de uma novidade para a Paraíba, que é a migração internacional”, lembra.
Para Sarah, é justamente a novidade relacionada à chegada desse público ao Estado, associada à onda de xenofobia, que vem das fronteiras e se espalha por todo o território nacional, por meio de notícias falsas ou sensacionalistas, e discursos de políticos que se pautam no preconceito, que fomentam a desinformação. Essa conjuntura repercute numa maior dificuldade deste público de se integrar à sociedade e até em casos de violência e cultura de ódio. Em 2019, por exemplo, foi difundida uma informação de que os casos de Malária no município do Conde, Paraíba, estavam relacionados à chegada de Venezuelanos; também são difundidas constantemente informações equivocadas de que os venezuelanos vieram para mendigar, aumentar a criminalidade no país ou roubar os empregos dos brasileiros.
“É importante entender que estas pessoas estão no país por questões de sobrevivência, compreender a situação real do Brasil diante deste fluxo e combater dados falsos. O Brasil é o maior país da América Latina e é apenas o sexto da região que mais recebe esses migrantes. A nível nacional, essa desinformação é propagada pois favorece um discurso que coloca a questão migratória como uma questão de segurança e justifica medidas arbitrárias para acabar com o fluxo. Na Paraíba, essa desinformação pode ser fruto do desconhecimento da causa. Para combater esse tipo de visão distorcida é necessário mostrar para a sociedade a real situação. Neste sentido, pesquisas como as desenvolvidas na UEPB pelo NEPDA e pela Cátedra Sérgio Vieira de Mello são fundamentais. É necessário também que estes estudo não fiquem apenas na academia, que eles sejam difundidos pela comunidade e que cheguem também nos gestores estatais e municipais para servirem de base para o desenvolvimento de políticas públicas assertivas”, avalia Sarah Silva.
A doutora em Ciência Política e que concluiu pesquisa de pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UEPB, Fabíola Dunda, também acredita que o desconhecimento sobre essa realidade nova faz com que seja difundida a desinformação sobre os venezuelanos.
“Na minha pesquisa um dos aspectos destacados por um dos entrevistados é o desconhecimento ou pouco conhecimento da população/sociedade sobre os direitos dos venezuelanos. Iniciativas como a promoção de encontros entre venezuelanos e brasileiros atendidos na ONG Aldeias Infantis SOS (gastronomia, danças, hábitos e costumes), por exemplo, são uma forma de difundir mais informações sobre os migrantes venezuelanos interiorizados para João Pessoa, e essa troca entre os brasileiros e venezuelanos, contribui-se para aumentar a questão da tolerância pela diferença, além de diminuir atitudes xenofóbicas que possam existir”, avalia Fabíola Dunda.
Uma das coordenadoras do NEPDA, professora Andrea Pacífico, lembra que existe um grupo de indígenas venezuelanos da etnia Warao que são nômades cuja cultura é viver de coleta [mendicância], mas, essa não é realidade da maioria desta população de imigrantes da Venezuela. “Temos venezuelanos na Paraíba com formações desde o ensino fundamental até o superior. Tem profissionais como psicólogos, engenheiros, jornalistas, professores universitários, que vieram em busca de condições dignas para viver”, explica a docente.
Atualmente a Paraíba conta com um público de mais de mil venezuelanos, mais da metade destes chegou ao país através do Programa Nacional de Interiorização. Na UEPB, desde 2019 (Resolução/UEPB/CONSUNI/0303/2019) existe um programa voltado para o recebimento de pessoas na condição de refugiados, apátridas e migrantes com visto temporário de acolhida humanitária para os cursos de graduação da Instituição. O ingresso desses estudantes será dá a partir de vagas remanescentes disponibilizadas pela Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD).
Texto: Juliana Marques