Tecnologia da UEPB garante água de qualidade a mais de 200 famílias em 10 municípios do Semiárido
A escassez de água é um problema que historicamente afeta nordestinos e, particularmente, os paraibanos. As longas estiagens comprometem a agricultura, inviabilizado uma cadeia produtiva e prejudicado o desenvolvimento econômico e social do estado.
Mas, nos últimos anos uma tecnologia prática e barata, desenvolvida pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), tem transformado essa realidade em regiões como Brejo, Agreste e Cariri paraibanos, proporcionado melhorias no campo. A prática de um projeto nascido dentro da Instituição tem favorecido produtores, animado o homem e a mulher do campo e feito jorrar água cristalina, como uma alternativa em tempos de crise hídrica.
O dessalinizador solar é uma tecnologia social desenvolvida no âmbito da UEPB, por meio do projeto de extensão rural “Pesquisa ação participativa e extensão rural”, liderada pelo professor Francisco José Loureiro Marinho, do Centro de Ciências Agrárias e Ambientais (CCAA) Câmpus II, localizado na cidade de Lagoa Seca. O equipamento que transforma água salobra em potável foi produzido a partir de uma experiência envolvendo estudantes do curso de Agroecologia e membros da Cooperativa de Trabalho Múltiplo de Apoio às Organizações de Autopromoção (COONAP).
O aparelho é de baixo custo e foi desenvolvido por meio da captação de energia solar, retirando o sal da água com a ajuda da evaporação. O projeto foi batizado de “Dessalinizador solar para fornecer água potável para as famílias da Zona Rural do Nordeste brasileiro”, e beneficia atualmente cerca de 200 famílias em cidades do Semiárido paraibano onde, historicamente os índices pluviométricos são considerados baixos, segundo a Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado (Aesa).
Com atividades de pesquisa iniciadas em 2010 e construídas com vidro, cimento e lonas, o equipamento funciona como uma estufa, abastecida com água salobra proveniente de poços. Com o calor do sol, a temperatura da água pode atingir até 70°. O vapor gerado sobe, condensa no vidro, escoa por canaletas e se transforma em água própria para consumo humano. O sal, que não evapora, fica depositado na lona, conforme explicou o professor Francisco Loureiro. A manutenção do sistema é feita pelas famílias que precisam apenas limpar a lona para que o equipamento volte a funcionar normalmente.
Custando entre R$ 3 e R$ 4 mil para produzir todo equipamento, incluindo uma “casinha” feita de pré-moldados de alvenaria, o projeto já instalou cerca de 200 dessalinizadores em 10 cidades da Paraíba e até em outros estados. No total, conforme explicou o professor Francisco Loureiro, foram instalados 10 equipamentos em Remígio; 10 e São Vicente do Serido; 10 em Cubati; 70 em Caraubas; 15 em Monteiro, 10 em Soledade, 20 em Cuité, cinco em Campina Grande, cinco em Queimada; 10 Caraúbas e 21 e Santa Luzia. Também foram instalados 10 dessalinizadores em Pernambuco e um em no Ceará.
O professor Francisco Loureiro explicou que o equipamento já se tornou uma tecnologia social, e tem mudado a realidade da região e a vida de agricultores(as) paraibanos(as), além de impulsionar a economia local. O objetivo é ofertar água de qualidade para as famílias que convivem com a escassez de água. Em algumas regiões do Semiárido, a água dos poços contém até sete gramas de sal por litro, enquanto o limite para ser considerada potável é de meio grama por litro. Além de desenvolver a tecnologia, o projeto tem ensinando agricultores(as) a desenvolverem os próprios dessalinizadores solares, utilizando produtos simples encontrados no próprio campo.
Para isso, vários treinamentos foram ministrados em parceria com a Associação de Profissionais em Agroecologia (APA), ONG formada por egressos do curso de Agroecologia, do Centro de Ciências Agrárias e Ambientais. Esse trabalho tem à frente Wanderley Feitosa Viana. Formado em Agroecologia e com mestrado na área, Wanderley Viana está no projeto desde 2013. No começo ele tinha a missão de fazer a limpeza dos primeiros equipamentos em Remígio. Nesse período ajudou a construir várias “casinhas” e instalar os equipamentos. Ele garante que a iniciativa vem mudando de forma gradativa a realidade na Zona Rural das cidades paraibanas.
“Há diversas maneiras de construção, por alvenaria com tijolos ou com placas pré-moldadas. A diferença está apenas no tempo de execução. As partes mais difíceis de construir são a calha, a bandeja e a entrada das bandejas, mas, tirando isso, qualquer pessoa sem treinamento consegue construir. Uma produção de cinco unidades, a gente gasta dois dias para fazer as formas e dois dias para montar o equipamento. Se fossemos fazer de tijolo, o preço seria mais caro e ainda teria que pagar o pedreiro”, observou.
O primeiro modelo, produzido em Campina Grande, custou cerca de R$ 3 mil. Já na cidade de Icapuí, no Ceará, a unidade ficou em torno de R$ 4,5 mil, porque a associação de moradores da comunidade pediu que todos os materiais fossem adquiridos localmente, para que pudessem acompanhar e compreender todo o processo, desde a compra até a construção. A capacitação, conforme definiu Wanderley, foi um passo importante no projeto, visto que os(as) agricultores(as) aprenderam não apenas a construir os equipamentos, mas como cuidar e fazer a devida manutenção. Ele conta que o valor dessa tecnologia varia, visto que depende de cada região e dos fornecedores da matéria usada na parte de alvenaria.
Como forma de facilitar o trabalho, a Coordenação do projeto elaborou uma cartilha com o passo a passo da instalação do equipamento. Esse material conta com informações e ilustrações que detalham todo o processo da construção, inclusive os materiais utilizados e a quantidade certa para cada dessalinizador. Os instrumentos, conforme definiu o professor Francisco Loureiro, são como se fosse um grito de independência de agricultores(as) em relação aos caminhões pipa.
“Muitas vezes o caminhão pipa não fornece água em quantidade e qualidade adequada e o agricultor passa a ser um passivo para a sociedade. No momento que ele tem água para beber de excelente qualidade e através de outras tecnologias como barragem subterrânea, cisterna de grande porte, poços e etc., tem água para suas necessidades pessoais e de irrigação. Assim ele passa a ser um ativo na sociedade”, destacou.
O presidente da Associação dos Profissionais em Agroecologia garante que o dessalinizador solar apresenta baixo custo de implantação e manutenção, possibilitando segurança hídrica por meio do fornecimento de água potável, além de promover a transformação social frente a gestão dos recursos hídricos locais, utilizando a energia solar (limpa e renovável) para a promoção de água potável, além de possibilitar a convivência com o Semiárido.
O professor Francisco Loureiro lembra que o Nordeste tem variação nas características dos elementos constantes na água dos poços, variando de água com 500 ppm a 25.000 ppm. Os equipamentos instalados com tecnologia da UEPB dessalinizam de 1.000 a 10.000 ppm. Água de qualidade e sustentabilidade que tem transformado a vida no campo.
“Na verdade, esse projeto é uma adaptação do projeto do Irmão Urbano, um frade redentorista. A princípio, ele tinha como objetivo apenas dessalinizar a água para canteiros econômicos, destinados a hortaliças. Ele não era voltado para a dessalinização de água para consumo humano. Nós o utilizamos para conseguir água potável. Eu dizia ao Irmão Urbano que o projeto dele era melhor do que imaginava, pois poderia retirar o sal de águas mais salgadas que a do mar. Nós o trouxemos para a Universidade porque acreditamos que esse projeto é aplicável à Zona Rural e pode transformar a vida das pessoas que necessitam de água potável”, explicou o professor Marinho.
O professor explicou ainda que começou a construir os primeiros dessalinizadores em 2012. A primeira experiência em escala ocorreu em um assentamento rural no município de Remígio, com recursos do CNPq, onde foram construídas dez unidades no Assentamento Corredor. “Foi um processo de adaptação de materiais e técnicas. Fizemos piso de alumínio, de cimento, e o sal corroía tudo. Um agricultor de Remígio teve a ideia de usar lona, pois disse que no mercado o sal é vendido em saco de plástico. E deu certo”, comemorou.
Em 2018, o docente incentivou que os(as) estudantes a criar uma ONG para que o projeto pudesse ser desenvolvido em outras regiões do Nordeste. Foi assim que surgiu a Associação de Profissionais em Agroecologia (APA).
Texto: Severino Lopes
Fotos: Divulgação (Arquivo Pessoal)
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