Universidade Estadual apresenta relatos e reflexões no Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia
Se “a escuridão não pode expulsar a escuridão, apenas a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio, só o amor pode fazer isso”, conforme declarou Martin Luther King Jr, em 1963, como superar uma realidade de desamor, violência e desrespeito que ainda hoje, em 2021, conquista adeptos e atinge de sobremaneira a população LGBTQIA+? Em tempos tão adversos de pandemia nos quais tanto se prega a empatia, o respeito e o cuidado com o outro, por que permitimos que cidadãos e cidadãs, que deveriam gozar dos mesmos direitos e liberdades que todos sejam atacados e violados?
Desde 2017, na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), através da Resolução UEPB/CONSUNI/0202/2017, travestis e transsexuais podem solicitar o uso do nome social na documentação acadêmica. Carregada de uma simbologia importante para a população LGBTQIA+ da Instituição a decisão, associada a eventos, projetos de pesquisa e extensão e diversas publicações de pesquisadores da UEPB têm buscado conscientizar e engajar a comunidade universitária na luta contra a homofobia e a transfobia.
O Observatório do Feminicídio da Paraíba – Professora Bríggida Rosely de Azevedo Lourenço, tem realizado a formação continuada “Equiparando Informações para uma Gestão UEPB efetivando Direitos”, com gestores e servidores da UEPB, com as temáticas “Relações Raciais na Paraíba e no Brasil, Violências com base no Gênero” e “Diversidade Sexual e violências LGBTQIAP+ fóbicas”. A ação evidencia a preocupação da gestão da UEPB com a construção de uma política institucional de respeito e acolhimento para a população LGBTQIA+. Além das ações da gestão os pesquisadores da instituição que se dedicam questões relacionadas às pautas dessa parcela da sociedade empreendem esforços para conscientizar a população e reivindicar direitos.
Com 20 anos de militância nos movimentos sociais, autor dos projetos de lei (em João Pessoa), que criaram a Coordenadoria LGBT do Município e o Conselho Municipal LGBT, com atuação juridica a favor da população LGBTQIA+, o doutor em educação e docente do curso de Direito do Câmpus de Guarabira, Jose Baptista de Mello Neto, tornou-se uma referência no Estado.
“Há dez anos era oficialmente instalada a Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB PB, lutei muito pela criação dessa Comissão e fui seu primeiro presidente. Como advogado, defendo a população LGBTQIA+ em ações judiciais, presto assessoria jurídica às entidades, sempre atuando de forma gratuita. Já no magistério, coordenei projetos de extensão, de pesquisa e de monitoria, sempre trabalhando com a temática dos direitos e cidadania das sexualidades ditas divergentes. Criei a primeira disciplina em cursos de bacharelado em Direito que discute as questões de gênero, identidade de gênero e sexualidades: Direitos de Grupos Socialmente Vulneráveis. Essa Disciplina, criada inicialmente na UFPB e posteriormente no Curso de Direito da UEPB em Guarabira, é a primeira a trazer, desde sua ementa as questões de gênero, identidade de gênero e livre orientação sexual”, recorda o professor José Neto.
O advogado e professor do curso de Direito do Câmpus I, Glauber Salomão Leite, também realiza um trabalho com foco nos direitos humanos relacionados ao direito à diversidade e proteção de grupos socialmente vulneráveis, dentre eles a população LGBTQIA+. O pesquisador tem coordenado a publicação de algumas obras dedicadas à temática, como o “Manual do Direito Homoafetivo” e “Diferentes mas, iguais: estudos sobre a decisão do STF sobre a União Homoafetiva”. Ao avaliar as conquistas e dificuldades enfrentadas por esta população o professor Glauber Leite avalia que houve avanços significativos, mas, ainda há muito a avançar sobretudo na conquista de espaços de representação política.
“Juridicamente houve avanços significativos como o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo, primeiro na forma da união estável, depois, do casamento igualitário, ambas as decisões em 2011; depois, em 2018, a possibilidade de alteração do nome e do gênero sem necessidade de cirurgia e, em 2019, a equiparação da Homofobia e Transfobia ao racismo. Porém, esses avanços se deram por força do Supremo Tribunal Federal (STF) então, no âmbito legislativo não houve conquistas, o que revela uma omissão muito expressiva do Congresso Nacional, por exemplo, em relação a essas pautas. E nos mostra a necessidade de ocupação desses espaços políticos em todos os níveis, municipal, estadual, federal, com parlamentares que assumam essas discussões. Sobretudo porque temos um Governo Federal de extrema direita que se apresenta claramente como contrário a essa pauta”, avalia Glauber.
Embora aponte algumas conquistas dos Estados, como a Paraíba, Pernambuco, Maranhão, entre outros, com a efetiva implantação de políticas públicas, assim como em alguns municípios, o professor José Neto também enxerga com preocupação a situação referente sobretudo à postura adotada pelo Executivo Nacional. “Temos um Governo que se nega a promover políticas públicas para a População LGBTQIA+, promovendo, no sentido inverso, políticas de demonização dessa População, e um Legislativo Federal que não delibera favoravelmente em projetos de lei voltados para a garantia de direitos e da cidadania LGBTQIA+”, avalia.
Vivências e cicatrizes: os relatos de quem encara o preconceito e a violência cotidianamente
Egresso do curso de Geografia e estudante do segundo período de Sociologia pela UEPB, o homem trans Victor Miguel da Silva, entende como necessárias as ações políticas, pesquisas científicas e iniciativas de gestão voltadas à temática LGBTQIA+, sobretudo no âmbito das “universidades”, que remetem a um “universo diverso”, de devem estar aberturas para que todos possam expressar de maneira sã e respeitosa as suas singularidades. O discente lembra com revolta alguns episódios de transfobia que vivenciou.
“Eu sofro transfobia diariamente quando saio de casa. Tento fingir que não tá acontecendo nada, mas, há situações que me deixam mal e me despertam crises de ansiedade. Já presenciei também mulheres trans e travestis impedidas ou humilhadas por usarem banheiro feminino. Já me senti intimidado por usar o banheiro masculino. Sem contar nas ameaças online que já recebi porque sou uma pessoa que expõe a pauta e promove lives e interações principalmente no Instagram sobre a pauta trans e sobre a diversidade LGBTQIA+. A última situação foi quando fui no shopping com minha noiva tomar um sorvete, usei uma regata, e todos ficaram me olhando, cochichando e me encarando. Fiquei constrangido. Outra vez me senti ameaçado por um rapaz na rua. Ele passou por mim e ameaçou voltar pra me bater”, relembra Victor.
O assistente administrativo da UEPB Marcelo Batista lembra que, embora o país tenha avançado na discussão da sexualidade, ainda há registros de centenas de assassinatos de LGBTs todos os anos e o contexto governamental neofascista que incentiva a homofobia e criminaliza a diversidade sexual reforça a necessidade de avançar na defesa dos direitos dessa parcela da sociedade. Para Marcelo o fato de seguir um comportamento de acordo com as expectativas atribuídas pela sociedade para um homem cis faz com que ele não sofra tanto as sanções e violências que outros membros da comunidade LGBTQIA+ precisam lidar todos os dias.
“O meu processo de aceitação foi longo e doloroso. Quando eu era criança e cantava, minha voz era aguda e não podia, pois isso era coisa de mulher. Quando eu dançava e rebolava, também me diziam que eu não podia, pois era coisa de mulher. Fui aos poucos me mutilando e me enquadrando no formato que as pessoas queriam que eu fosse. Hoje eu não sei cantar e nem dançar e acredito que seja resquício deste tempo. Estou no padrão de um homem cisgênero e não sei ao certo se sou assim porque eu realmente sou assim, ou, porque eu quis ficar assim para me enquadrar no que as pessoas diziam ser normal e não sofrer as sanções do convívio social”, reflete Marcelo.
O assistente administrativo enfatiza a importância da promoção de discussões sobre a homossexualidade com o objetivo de informar as pessoas sobre essa questão, dar visibilidade ao assunto e desmistificar perspectivas equivocadas. “É importante munir as pessoas de informações, pois é a ignorância que compõe uma parte da homofobia. Também oportunizar a visibilidade ao apresentar pessoas que são LGBTQIA+ em suas diversas configurações, faz com que outras tantas pessoas que ainda têm medo de dizer que são gays, entendam que a comunidade é diversa e engloba todos e todas que não se enquadram na compreensão hegemônica da sociedade da heteronormatividade. Todavia, ter visibilidade também tem o seu lado ruim. Quanto mais visíveis se tornam essas pessoas, que por muito tempo viviam na invisibilidade, maiores chances de sofrerem violência. O tempo todo estamos sendo atacados apenas porque a forma que demonstramos o nosso amor é considerada errada e não é aceita pela sociedade”, avalia Marcelo.
Se no cotidiano fora dos muros da universidade o cenário tem sido adverso, no âmbito da academia, para o estudante Victor as experiências tem sido de respeito e admiração no convívio com colegas e docentes. “Mesmo ainda não tendo trocado de nome no sistema porque ainda estou em processo, todos respeitam meu nome social, todas as referências passam a ser no masculino depois que me conhecem. Lembro que numa entrevista que fiz pra o PIBID, a professora Jussara Bélens foi muito feliz em suas palavras sobre a importância de pessoas trans na Universidade e me parabenizou pela coragem. Do mesmo modo também me marcou um dia em que a professora Jackeline Carvalho parou a aula para mencionar a minha luta e meu lugar no movimento estudantil pra engajar outras pessoas. E a minha turma, outras pessoas do curso, todos me acolheram muito bem e me respeitam, me têm como uma referência quando têm dúvidas ou precisam de informação. Eu fico lisonjeado com tudo. Me faz perceber que estou indo no caminho certo”, avalia Victor.
Ao relembrar o que o fez envolver-se na militância LGBTQIA+ o professor José Neto relata um caso marcante de violência que presenciou. “Milito no campo dos Direitos Humanos desde a minha adolescência em Campina Grande. No início da década de 1990, fui com a minha então esposa e nossa filha e filho (ela na época com quase 5 anos e ele com pouco mais de 1), a um almoço em família. Chegando na casa ouvimos um “pai” esculhambando com o filho e o expulsando de casa por ser gay. Quando ouvimos isso, olhei para a minha companheira e disse que nunca em minha vida expulsaria uma cria minha de casa, ao que ela perguntou ‘nem se for gay?’ e eu respondi que não. Foi naquele momento que percebi a necessidade de desconstruir meus preconceitos e mudar minha forma de me relacionar com o mundo. Alguns meses depois um amigo me procurou, ele estava sofrendo preconceitos no trabalho por ser gay, e me pediu ajuda. A partir de então constatando as mais terríveis e variadas formas de preconceito para com LGBTQIA+, passei a atuar junto ao Movimento do Espírito Lilás (MEL), primeira entidade de João Pessoa, e a levar o debate para as minhas aulas no curso de Direito da UFPB”, rememora.
17 de maio – Dia Internacional conta a Homofobia e Transfobia
Desde 1990, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do Código Internacional de Doenças (CID), 17 de maio é lembrado como Dia Internacional contra a Homofobia. A data é uma oportunidade para que sejam empreendidas ações de combate à essa realidade que é evidenciada por altos índices de violência a essa parcela da população e faz com o Brasil figure em 1º lugar no ranking dos assassinatos de pessoas trans no mundo, com números que se mantiveram acima da média.
O dossiê “Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020“, realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA), traz dados e reflexões sobre o aumento das violências contra as pessoas LGBTI, que se tornaram ainda mais graves com a pandemia da Covid-19.
Ao avaliar sobre qual o caminho para superar essa realidade, o assistente administrativo Marcelo Batista avalia que “é necessário que a sociedade compreenda que os LGBTQIA+ são apenas pessoas que querem respeito sobre como decidem amar”. O professor José Neto pondera que educação é o caminho, educar para o respeito. “É necessária a implantação, em todas as unidades educacionais, em todos os níveis e esferas, de Diretrizes Nacionais para a Educação com um enfoque em Direitos Humanos. E entender que amar nunca pode ser compreendido como doença. Amar é cura!”, conclui.
Texto: Juliana Marques
Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal
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