Universidade Estadual da Paraíba se torna espaço de acolhida com gestão pautada no respeito à diversidade

28 de junho de 2021

Ao refletir sobre as relações humanas a partir do pensamento de Dalai Lama, quando ele declara que: “Sem amor não poderíamos sobreviver. Os seres humanos são criaturas sociais e sentir-se valorizado pelos outros é a própria base da vida em comunidade”, podemos entender que toda forma de preconceito, violência e discriminação vai contra a natureza das pessoas que nasceram para viver em coletividade. Direcionada a essa perspectiva, a gestão da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) tem empreendido diversas iniciativas para se estabelecer como local de acolhida, respeito à diversidade e valorização de todas as pessoas que integram a comunidade. Neste dia do orgulho LGBTQIA+, 28 de junho, a Instituição evidencia as ações voltadas a esse público.
A gestão da UEPB busca desenvolver práticas de prevenção aos casos de violência, amparada sobretudo na informação, para que, amparada numa cultura de paz, a Instituição possa tornar-se um ambiente seguro que oportunize às pessoas LGBTQIA+ e demais grupos historicamente excluídos, por meio da educação, novos horizontes de crescimento profissional, acadêmico e cidadão.
Por meio do Observatório do Feminicídio da Paraíba – Professora Bríggida Rosely de Azevedo Lourenço, a Instituição tem realizado a formação continuada “Equiparando Informações para uma Gestão UEPB efetivando Direitos”, com gestores e servidores da UEPB, com as temáticas “Relações Raciais na Paraíba e no Brasil, Violências com base no Gênero” e “Diversidade Sexual e violências LGBTQIAP+ fóbicas”.
Desde 2017, na UEPB, através da Resolução UEPB/CONSUNI/0202/2017, travestis e transsexuais podem solicitar o uso do nome social na documentação acadêmica. Carregada de uma simbologia importante para a população LGBTQIA+ da Instituição a decisão, associada a eventos, projetos de pesquisa e extensão e diversas publicações de pesquisadores da UEPB, têm buscado conscientizar e engajar a comunidade universitária no enfrentamento à violência de gênero.
Recentemente, a Instituição nomeou a comissão que elaborará a minuta a ser apresentada no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) da UEPB, incluindo na política de cotas para acesso aos cursos de graduação da Instituição pessoas transgêneros, travestis e transexuais, além de indígenas, negras e quilombolas. De acordo com a reitora da UEPB, professora Célia Regina Diniz, tais ações refletem um compromisso da equipe de administração da UEPB voltado ao respeito à diversidade
“Nossa gestão está comprometida em manter a UEPB como um espaço de referência, contribuindo com uma sociedade plural e trabalhando em defesa dos direitos humanos, com políticas institucionais de diversidade, que garantam a inclusão e a permanência de estudantes, servidores e servidoras LGBTQIA+. A nossa instituição está empenhada na implantação de políticas públicas de prevenção e combate à homofobia respeitando as pluralidades existentes na comunidade universitária e fortalecendo os coletivos das pessoas LGBTQIA+”, avalia a reitora.
Essa política institucional tem reverberado na forma como membros da comunidade se sentem na Instituição. Mulher cisgênero e bissexual, a estudante do 4º período do curso de Geografia, Nataline Silva, revela que o fato de não ter sofrido discriminação ou preconceito na UEPB a permitiu ter liberdade para falar abertamente sobre sua orientação sexual e se sentir abraçada. “Por ser de cidade pequena eu não entendia muito bem quem eu era de verdade e na UEPB eu senti acolhimento e pessoas que me entendessem. Foi um dos lugares onde eu fui mais aceita principalmente por me ver e ter representatividade”, avalia a estudante.
A estudante do 4º período de Sociologia Mariana Rodrigues, mulher cisgênero e bissexual, também reforça que o sentimento de liberdade e acolhimento é o que predomina quando está na UEPB, instituição que a ofereceu a oportunidade de livrar-se dos preconceitos enraizados em sua formação social. “Antes eu era uma dessas pessoas que olhava torto pra as pessoas LGBTQIA+ e foi justamente quando comecei a cursar sociologia na UEPB que abri meus olhos além da minha ‘caverna’ e passei a enxergar que toda forma de amor é linda e livre”, destaca.
De fato, o cenário vivenciado na UEPB é um contraponto à realidade de violência no país que expõe um cenário político e social marcado por intolerâncias, desrespeitos, agressões e assassinatos. Os dados dos órgãos de segurança pública infelizmente não refletem esses fatos de forma fidedigna, uma vez que, além das subnotificações, os registros não seguem um padrão e muita vezes o caso de violência ou assassinato cometido contra uma pessoa LGBTQIA+, por conta da orientação sexual ou identidade de gênero da vítima, é omitido nos inquéritos. Assim, algumas entidades têm empreendido levantamentos por conta própria, com o objetivo de visibilizar essa conjuntura na busca pela implementação de políticas públicas de acolhimento e proteção.
Este é o caso do levantamento realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), secretarias de Atenção Primária em Saúde e de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) divulgado em 2020, que detectou, a partir dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que faz parte do SUS, que a cada uma hora uma pessoa LGBTQIA+ é agredida no Brasil.
A maior parte das agressões são cometidas contra transexuais e lésbicas, e metade desta população violentada é composta por pessoas negras, o que revela uma característica interseccional que não apenas fere, mas, mata por questões de gênero, de raça e classe social. O dossiê “Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020”, realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (ANTRA), traz dados sobre o aumento das violências contra as pessoas LGBTQIA+, que se tornaram ainda mais graves com a pandemia da Covid-19. Segundo o relatório, a expectativa de vida de pessoas Trans no país é de apenas 35 anos.
O preconceito cotidiano
Esse panorama de intolerância e discriminação, que muitas vezes resulta em casos de violência, também faz parte das vivências da professora substituta do curso de Arquivologia da UEPB, Ismaelly Batista, ao longo da vida. Graduada em Arquivologia, mestre e doutoranda em Ciência da Informação, prestes a concluir sua segunda graduação na área de Psicopedagogia, a docente relata que hoje, uma mulher adulta e que galga sua estabilidade profissional e financeira, olha para sua trajetória e percebe que, infelizmente, não faz parte da regra, mas, da exceção. E, mesmo após ter atingido um nível considerável de empoderamento cultural e educacional não descarta ataques mesmo que sutis à sua identidade de gênero e competência profissional.
“Cresci no subúrbio da cidade de João Pessoa e até o início da vida adulta me identifiquei como Queer, em termos atuais, segundo a nova nomenclatura que consta na sigla da comunidade LGBTQIA+. Fato este, que me fez passar grande parte da vida convivendo com insultos e comentários maldosos proferidos de todas as partes, feitos por crianças ou mesmos adultos no contexto social e ambiente escolar. Minha resiliência e espiritualidade me auxiliaram na busca de condições melhores de vida, o que iniciou com o engajamento em espaços onde pude amadurecer com segurança. Fiz transição de gênero aos 23 anos, o que é considerado tardio, mas, consegui me estabelecer graças ao apoio familiar, de amigos e colegas de Universidade, bem como de entidades governamentais como o Centro Estadual de Referência dos Direitos de LGBT (Espaço LGBT) da Paraíba, em que consegui assistência psicológica e jurídica para avançar com segurança no processo de reafirmação de gênero”, relembra Ismaelly.
Para a estudante Mariana Rodrigues, que se relaciona com um homem trans, a discriminação e a intolerância é enfrentada sobretudo quando está ao lado do noivo Victor Miguel. “Passei os últimos anos em um relacionamento hétero cis normativo, para muitos era o relacionamento perfeito. Me divorciei e comecei um relacionamento com Victor. Com isso, algumas pessoas se afastaram de mim. Saímos na rua e todos nos olham como se fossemos aberrações. Na minha cidade questionam como uma mulher está namorando um menino gay. Perguntam como eu deixei um homem de verdade por uma mulher que quer ser homem. Esses questionamentos são muito pesados”, recorda.
Com engajamento político e social em defesa das causas LGBTQIA+ a estudante concluinte do curso de Licenciatura em Sociologia Luana Mafra, mulher cis e lésbica, foi candidata a vereadora em 2020, por acreditar que um dos caminhos para contrapor essa realidade de violência é utilizando as vias políticas. A estudante reforça que não é fácil viver em uma sociedade preconceituosa, que mata quem não se enquadra nos padrões machistas e patriarcais.
“É muito difícil ser uma mulher nesse país, e ainda mais difícil ser uma mulher sapatão! É muito bom ser quem você é, poder viver conforme seus anseios, mas, é preciso dizer que isso, infelizmente, é um privilégio para poucos. Falar sobre nossa vivência, significa dizer que não é fácil, e para algumas pessoas é ainda pior. Eu sou uma mulher branca, pobre, mas, ainda tive alguns acessos na minha vida e por isso tive diversas oportunidades. Imagina falar de uma vivência de uma pessoa pobre, preta e ainda mais excluída dessa sociedade?! Hoje, no dia do orgulho LGBTQIA+ nós infelizmente não temos muito o que comemorar. Poucos dias atrás uma mulher trans foi queimada viva em Pernambuco. Nós somos, por 12 anos consecutivos, o país que mais mata pessoas trans no mundo. Por isso não podemos retroceder diante da barbárie que acontece com as nossas vidas. Precisamos resistir e precisamos reafirmar todos os dias os nossos direitos”, avalia Luana.
Para a docente Ismaelly Batista é preciso que a sociedade reconheça a violência que é praticada contra a população LGBTQIA+ para que possam ser construídas iniciativas de enfrentamento. “Acredito que tudo começa por admitirmos que há problemas como a violência, devemos, pois, lançar luz sobre as causas destes males e desenvolver meios para combatê-los. Visibilidade e informação são fundamentais nesse processo. Afinal, há poucas chances de empatia pelo desconhecido. E se hoje, apesar de retrocessos, temos voz e direitos, esses são fruto de décadas de luta e as custas de vidas que foram tiradas ao longo deste processo, mas, se queremos construir novas pontes para um legado digno às novas gerações não podemos cessar a narrativa por respeito” afirma.
Informações relacionadas ao movimento LGBTQIA+
O correto é dizer orientação ou identidade? Por que utilizar essas letras (LGBTQIA+)? Qual o intuito de ter um dia do orgulho? São algumas indagações de uma sociedade que, mesmo habituada a pensar que evoluiu com o passar dos anos, ainda desconhece termos e situações que deveriam ser naturalizadas a partir do conhecimento disseminado sobre a temática. Mas, se em contextos sociais diversos do país a ignorância predomina, no ambiente acadêmico é imprescindível que estas informações sejam assimiladas e difundidas pela comunidade universitária, se considerarmos o próprio significado da palavra universidade (universal, que contempla o todo) e as diretrizes que orientam tais instituições.
O dia do orgulho LGBTQIA+ é uma data que marca a busca por respeito e inclusão de pessoas com diferentes identidades sexuais e orientações de gênero. O termo orgulho é usado por estar em oposição à vergonha, utilizada ao longo do tempo para controlar a oprimir essa parcela da sociedade.
“É raro perguntar a uma pessoa LGBTQIA+ se ela sofreu algum tipo de preconceito e ela dizer que não, mas, duvido muito você perguntar a algum de nós se nos arrependemos de ser quem somos e a resposta ser afirmativa. Temos orgulho de ter a coragem de ser quem somos, mesmo diante de tudo que acontece quando fazemos isso! É por isso o nosso orgulho, porque não escondemos quem nós amamos, não escondemos como amamos e não escondemos que nosso amor e nossas vidas existem e resistem!”, declara a estudante Luana Mafra.
Já o termo “identidade de gênero” é relacionado à forma como você se apresenta na sociedade, seja mulher, homem, ou uma pessoa que não se encaixe no padrão de binaridade, ou até mesmo sem gênero. E orientação sexual tem a ver com quem cada pessoa prefere se relacionar.
Com relação à sigla LGBTQIA+, esta foi construída ao longo dos anos. A primeira transformação aconteceu por volta de 1980, quando o termo LGB (lésbicas, gays e bissexuais) substituiu o termo GLS (gays, lésbicas e simpatizantes). Alguns anos depois, a letra “T” foi incluída para representar os travestis, transsexuais e transgêneros. Com o tempo, novas letras foram incluídas: Q, em alusão ao termo Queer, também chamado de fluido (pessoas que transitam entre os gêneros feminino e masculino); I, Interssexuais (indivíduos que possuem características anatômicas, cromossômicas ou hormonais que não estão estritamente relacionadas aos sexos femininos nem masculino); A, Assexuais (pessoas que não sentem atração sexual por outras, independentemente do seu gênero, e o sinal de + foi acrescido para representar a diversidade de pessoas que não se identificam com nenhuma das letras da sigla.
Texto: Juliana Marques
Fotos: Arquivo Pessoal/Registradas antes da pandemia