Uma expressão da cultura nordestina e patrimônio cultural imaterial brasileiro, o folheto cordel teve origem em Portugal com os trovadores medievais que cantavam poemas nos séculos XII e XIII para espalhar histórias para a população, que, na época, era em grande parte analfabeta. Na Renascença, com os avanços tecnológicos que permitiram a impressão em papéis, possibilitou-se a grande distribuição de textos, que, até então, eram apenas cantados.
No Brasil a literatura de cordel foi popularizada por volta do Século XVIII e também ficou conhecida como poesia popular, porque contava histórias com os folclores regionais de maneira simples, possibilitando que a população em geral entendesse. Os poemas rimados que eram apresentados penduradas em cordas – ou cordéis, como é chamado em Portugal – chegaram ao Nordeste brasileiro junto com os colonizadores portugueses, dando origem à literatura de cordel como conhecemos hoje.
A pesquisadora da UEPB, Maria do Socorro Cipriano, lembra que até meados do Século XX, os cordéis tinham uma função importante para suas comunidades de leitores, especialmente para aqueles que moravam nas zonas mais afastadas dos centros urbanos e não tinham outra forma de comunicação. “As notícias sobre política, tragédias e acontecimentos corriqueiros do dia a dia, eram transmitidas por rádios, jornais e pela oralidade. Nessa perspectiva, cabia aos cordéis esse papel de divertir, mas também de informar sobre o que estava acontecendo mundo, inclusive, em lugares que possuíam o cordel como único meio de comunicação”, explica.
Atualmente, a literatura de cordel é o instrumento utilizado por pesquisadores e instituições para estudar e compreender as diversas manifestações culturais do povo nordestino. Na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), são diversas as iniciativas de pesquisa e extensão que revisitam o cordel a partir do olhar da Literatura, História, Pedagogia, Comunicação, entre outros campos do conhecimento.
Além disso, a maior coleção de Literatura de Cordel da América Latina, a Biblioteca de Obras Raras Átila Almeida, é patrimônio da UEPB. O local conta com mais de 18 mil cordéis datados a partir de 1907, de cordelistas renomados como Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Manoel Monteiro, Apolônio Alves dos Santos, entre outros.
Durante a pandemia a Biblioteca está com as atividades presenciais suspensas, sendo atendidos apenas os casos de urgência que são pré-agendados e liberados para o acesso após avaliação da equipe de profissionais que trabalham no local.
Pesquisas desenvolvidas no âmbito da UEPB
Cadastrado na cota 2020/2021 do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Pro-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa da UEPB, o projeto “História e Literatura de Cordel: nos tempos em os animais falavam?”, coordenado pela professora do curso de História, Campus I, Maria do Socorro Cipriano, é uma das pesquisas que utilizaram o acervo da Biblioteca Átila Almeida para o desenvolvimento dos estudos.
A iniciativa, que é uma continuidade do trabalho aprovado na cota PIBIC 2019/2020, conta com o envolvimento de discentes do curso de História que, estão realizando um levantamento e análise dos cordéis escritos por poetas paraibanos e demais nordestinos de 1918 a 1970, que tratam da relação de hibridismo entre humanos e animais. A perspectiva do estudo é refletir sobre como essa prática literária constitui o imaginário de uma dada cultura sertaneja, na qual os dois gêneros (humano e animal) coexistem quase que harmoniosamente num mesmo mundo.
“O trabalho envolve as leituras das narrativas poéticas em sua relação com as gravuras e xilogravuras que eventualmente são impressos em suas capas. Considerando essa relação entre os bichos e os humanos, vários temas são articulados ao universo poético dos cordéis: questões amorosas, políticas, religiosas, dentre outras”, explica a professora Maria do Socorro Cipriano.
De acordo com a professora, a forma como os cordelistas tratam as figuras híbridas ou como envolvem os animais nas narrativas, tem uma relação com as práticas culturais dos poetas, editores e consumidores dessa poesia. Assim, como no universo da poesia de cordel, a barreira entre os acontecimentos do cotidiano e a imaginação é muito tênue. “Esse diálogo entre humanos e animais é erigido sob a forma de encantamento pelo mundo onde ‘os bichos podiam falar’, aconselhar, advertir sobre acontecimentos catastróficos ou simplesmente, orientações morais da vida das pessoas”, avalia a pesquisadora.
Além dos projetos cadastrados no PIBIC, os diversos cursos de pós-graduação têm desenvolvido pesquisas que projetam a instituição como referência nacional na área. Na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), duas universidades públicas paraibanas, a UEPB e a Universidade Federal da Paraíba, são as instituições nacionais com um maior número de publicações relacionadas à temática, com 27 registros de dissertações e teses cada uma.
No curso de Pedagogia o cordel tem sido estudado com uma ferramenta que pode auxiliar nos processos de ensino-aprendizagem. Recentemente o Programa de Residência Pedagógica e o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) promoveram o “Cordel pedagógico na sala de aula, da história das ciências aos problemas sociais”, com o objetivo de apresentar as ações desenvolvidas pelos bolsistas do PIBID e da Residência, nas escolas-campo de diferentes municípios da Paraíba. Na ocasião, o mestre em Ensino de Ciências e Matemática na área de concentração Ensino de Física, pela UEPB, Josenildo Lima, apresentou um capítulo de livro de sua autoria sobre sua pesquisa no mestrado relacionada ao ensino de Física com a literatura de cordel.
Com uma atuação voltada à valorização da cultura regional, a UEPB também tem empreendido diversas ações, sobretudo por meio da Pró-Reitoria de Cultura, que evidenciam o papel do cordel no cenário nordestino, a exemplo do Encontro de Sanfoneiros. O Museu de Arte Popular da Paraíba (MAPP) da UEPB conta com uma sala de exposições com a temática “Artesanato e Cordel”. Essas ações, entre outras intervenções, tiveram que ser reinventadas, com atividades remotas ou, no caso do MAPP, com uma projeção mapeada que apresentou na fachada do prédio o acervo do museu.
Texto: Juliana Marques
Fotos: Arquivo/Codecom