Universidade Estadual lidera esforços na identificação e tratamento de envenenamento por metanol

O recente aumento no número de casos suspeitos de intoxicação por metanol, encontrado em bebidas alcoólicas destiladas no Brasil, reacendeu a preocupação com o uso indevido dessa substância tóxica, que também é encontrada em combustíveis fraudulentos. A Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), por meio dos cursos de Química e Farmácia, vem atuando diretamente na linha de frente do combate à intoxicação, com foco na identificação da substância e no atendimento emergencial a pacientes intoxicados.
Segundo a professora Sayonara Lia Fook, do Departamento de Farmácia e coordenadora do Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Campina Grande (CIATox-CG), que funciona no Hospital de Trauma Dom Luiz Gonzaga Fernandes, em Campina Grande, os casos de envenenamento por metanol não são uma novidade no Brasil.
Ela lembra que entre 2016 e 2023 houve um surto de ingestão de etanol como droga de abuso, com alto teor de metanol, presente em etanol combustível, vendido em postos de gasolina. O alerta foi feito pelo CIATox da Unicamp e, de acorco com os pesquisadores, 14 pessoas em situação de rua haviam sido intoxicadas após consumir etanol combustível, usado, nesses casos extremos, para aliviar os sintomas da abstinência alcoólica.
Daqueles 14 casos confirmados, onze chegaram a óbito. A origem da substância era justamente o combustível adulterado, vendido em postos de gasolina, o chamado “combustível batizado”, o que evidencia uma violação grave das normas regulatórias. “Aqueles indivíduos utilizavam o etanol como droga de abuso. Mas o etanol em questão estava contaminado com metanol, o que resultou em mortes trágicas. Era um produto fraudulento”, explicou a professora Sayonara.
Esta segunda onda, mais recente, também veio como um alerta do CIATox-UNICAMP. No entanto, o cenário mudou em relação aos indivíduos expostos, já que, estes casos têm envolvido a população que consume bebidas alcoólicas destiladas, que podem conter metanol e não etanol. O metanol é um líquido incolor, encontrado na composição de tintas, vernizes e solventes e é usado na fabricação cimento, corantes, limpa vidros e fluidos automotivos.
Sintomas e antídotos
Dentre as várias atribuições dos CIAToxs do Brasil estar a de prestar, por intermédio de pessoal especificamente treinado, orientações de conteúdo técnico-científico aos profissionais de saúde e à população em geral. As informações tratam sobre a exposição a substâncias químicas e biológicas, que possam causar agravos à saúde humana, animal ou ambiental, enfatizando as ocorrências peculiares da sua área de abrangência, além de instruções sobre exames e primeiros socorros.
O quadro clínico clássico da intoxicação por metanol é caracterizado por depressão do sistema nervoso central, semelhante a um quadro de embriaguez alcoólica, podendo estar associado a náuseas, vômitos, dor abdominal e sintomas de perda da visão. As alterações da visão são acompanhadas de acidose metabólica grave, quando o sangue se torna perigosamente ácido. “A toxicidade do metanol é causada por seus metabólitos, o formaldeído e o ácido fórmico, que são responsáveis pela alteração visual e acidose metabólica, respectivamente. É um tipo de sintoma muito grave e o desfecho pode ser a morte, se não for tratada a tempo”, alerta a professora.
O tratamento da intoxicação por metanol exige diagnóstico rápido e o uso de antídotos específicos. Os dois principais são o “etanol absoluto farmacêutico” e o “fomepizol”. Os dois atuam competindo com o metanol no metabolismo hepático, sendo o fomepizol considerado o antídoto ideal, pois não causa embriaguez e é de dosagem mais fácil, embora seja importado e de alto custo.
“O fomepizol deveria estar disponível em todos os 32 CIAToxs do país, pois é mais seguro, eficaz e mais fácil de administrar do que o etanol absoluto. A ausência dele compromete a resposta nacional à intoxicação por metanol”, ressalta a professora.
UEPB na linha de frente: identificação e atendimento 24h
A atuação da UEPB frente à crise do metanol vem se destacando em duas frentes principais. Uma no que se refere à identificação laboratorial, com a atuação dos pesquisadores do curso de Química, elaborando técnicas para detectar a presença de metanol em bebidas suspeitas e colaborando com autoridades de saúde e segurança, e outra em relação ao tratamento e orientação.
Neste último quesito, o CIATox de Campina Grande funciona por meio de uma parceria entre a UEPB e o Hospital de Emergência e Trauma de Campina Grande, que atua 24 horas por dia no atendimento aos casos de intoxicação. O serviço também conta com o apoio de estudantes de Farmácia, Enfermagem e Biologia, que participam como extensionistas, ampliando o alcance das ações de educação e vigilância toxicológica.
A professora reforça, ainda, a importância da educação preventiva e da vigilância sanitária contínua para evitar novos casos. “É fundamental que a população esteja atenta à procedência das bebidas consumidas e que os órgãos de fiscalização intensifiquem o controle sobre a venda e produção de combustíveis e bebidas alcoólicas”, ressaltou.
Como proceder em casos de intoxicação?
Casos suspeitos de intoxicação devem ser encaminhados imediatamente a Rede Assistencial de Saúde. O CIATox-CG pode ser contactado pelo Hospital de Trauma de Campina Grande, pelo telefone (83) 3310-5853, ou pelo número de abrangência nacional, o Disque Intoxicação: 0800-7226001.
O Ministério da Saúde recomenda, no momento, que a população evite a ingestão de bebidas destiladas, até que a situação sanitária seja esclarecida.
Texto: Giuliana Rodrigues e Severino Lopes
Fotos: Divulgação
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