Dezesseis anos da Lei Maria da Penha: “temos o direito de viver sem violência e temos uma lei para isso”

Dezesseis anos da Lei Maria da Penha: “temos o direito de viver sem violência e temos uma lei para isso”
4 de agosto de 2022

No ano de 1983, Maria foi vítima de dupla tentativa de assassinato por parte de seu então marido. Primeiro, deu um tiro nas costas da esposa enquanto esta dormia. Como resultado, ela ficou paraplégica. O marido declarou à polícia que tudo não havia passado de uma tentativa de assalto – versão desmentida pela perícia. Quatro meses depois, quando Maria voltou para casa, após duas cirurgias, internações e tratamentos, ele a manteve em cárcere privado e tentou eletrocutá-la durante o banho.

Esta é parte da história de Maria da Penha, uma entre as tantas Marias e mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil. A lei que leva seu nome é fruto de seu esforço e também de grandes e longas lutas pessoais, sociais e jurídicas de mulheres que sabem ou descobriram que podem viver sem violência. Neste dia 7 de agosto, o Brasil celebra 16 anos da Lei Maria da Penha. O Observatório do Feminicídio da Paraíba Bríggida Lourenço da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), lembra e comemora a lei que há mais de uma década tem ajudado mulheres a sair do ciclo da violência doméstica.

O Observatório Bríggida Lourenço (OBL) segue com as apresentações da campanha “As mulheres querem viver”. A ideia é divulgar e ampliar as informações sobre os tipos de violência contra as mulheres e orientar sobre as providências a serem tomadas em cada um dos casos. “Até agora, realizamos a campanha em quatro centros da UEPB e pretendemos apresentá-las aos demais”, afirmou Priscilla Tomaz, servidora da Universidade e integrante do OBL.

Priscilla comenta que a Lei Maria da Penha (MP) se tornou um dos maiores instrumentos de coibição e prevenção da violência contra as mulheres. Antes de sua existência, a agressão contra a mulher era tratada como crime de menor potencial ofensivo e, na maioria das vezes, a pena do agressor era convertida em prestação de serviço. Depois da Lei, que trouxe a tipificação das violências contra a mulher (física, psicológica, moral, sexual e patrimonial), as penas ficaram mais rígidas. “Ainda que tenha sido criada em 2006, a lei vem sendo modificada ao longo do tempo para que possa abranger o maior número de possibilidades e promover maior segurança às mulheres, sendo a mais recente modificação a obrigação do registro imediato, pela autoridade judicial, das medidas protetivas de urgência deferidas em favor da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes”, informou Priscilla, se referindo à Lei 14.310/2022.

Até sua sanção, em 2006, foi longa a jornada para que a Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha fosse aprovada. Foi atacada com piadas machistas e foi inclusive tachada de inconstitucional. “Nesta caminhada, nada foi dado. A lei foi conquistada. Foi fruto de muitas lutas sociais e de mulheres contra a omissão do Estado em caso de violência doméstica, que era tratado como um crime menor”, comenta Izabelle Ramalho, advogada, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/PB e professora substituta no Centro de Ciências Jurídicas (CCJ).

Mesmo após promulgada, a lei sofreu ataques. Mesmo sancionada, há resistência em parte do judiciário em aplicá-la. “Isso mostra como nossa sociedade é estruturada”, afirma Izabelle, explicando que discussões jurídicas e decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ratificaram que a Lei Maria da Penha não viola a igualdade constitucional, pelo contrário, ajuda a mantê-la ao proteger as mulheres. “Assim como há leis ou códigos que protegem trabalhadores e consumidores, a Lei Maria da Penha existe para proteger a mulher nos casos de violência doméstica”, arrematou a advogada.

Izabelle cita ainda os ganhos jurídicos e sociais que a lei trouxe ao longo dos anos. As mulheres têm agora asseguradas medidas protetivas e, socialmente, houve uma ligeira mudança na tolerância deste tipo de crime, bem como a criação de políticas públicas nesta esfera. “Em parte, isso de que ‘em briga de marido e mulher não se mete a colher’ diminuiu. Há um aumento no conhecimento da lei e no número de denúncias”, acrescentou.

Priscilla cita algo semelhante em relação à importância da ampla divulgação e defesa da Lei MP. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão em 2020, intitulada “Violência doméstica contra a mulher na pandemia”, revela que para 84% dos brasileiros a Lei Maria da Penha fez com que as mulheres passassem a denunciar mais os casos de violência doméstica. Em 2021, mais de 370 mil medidas protetivas de urgência foram concedidas. “Todos esses dados revelam o ganho social desde a implementação da Lei, bem como a importância de rememorar, agora em agosto, uma das legislações mais avançadas do nosso país, decorrente de uma história de luta que deve ser reverenciada e respeitada”, concluiu a servidora.

A história, a mulher e a lei
Face à falta de julgamento e punição adequada ao agressor de Maria da Penha no Brasil, frente a situações tão graves, provas e consequências claras, foi protocolada denúncia junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). Em 2001, a CIDH responsabilizou o Estado brasileiro por omissão, negligência e tolerância. Considerou que neste caso se davam as condições de violência doméstica e de tolerância pelo Estado definidas em convenção da OEA. A repercussão do caso ganhou nível internacional. A punição ao Brasil, foi, entre outras, a necessidade de criação de uma lei adequada a este tipo de violência contra a mulher.

A Lei Maria da Penha é considerada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) uma das três leis mais avançadas do mundo, entre 90 países que têm legislação sobre o tema. Parece resumido, mas o histórico foi longo e a luta permanece.

Conheça mais sobre a história de Maria da Penha e tenha acesso à Lei 11.340/2006 na íntegra AQUI. Mais informações sobre ações na Paraíba, neste LINK. Como disse a própria Maria da Penha: “Temos o direito de viver sem violência e temos uma lei pra isso”.

Texto: Juliana Rosas