Docente da UEPB integra rede internacional de pesquisa e fortalece o processo de internacionalização da universidade
Natural de Aquidabã, no interior de Sergipe, Silvanio de Andrade é licenciado em Matemática pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), mestre em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro (SP), e doutor em Educação, com ênfase em Ensino de Ciências e Matemática, pela Universidade de São Paulo (USP), com pesquisa voltada para a Educação Matemática.
Durante o doutorado, na FEUSP, sob orientação da professora Maria do Carmo Santos Domite (in memoriam), Andrade realizou em 2006 um estágio sanduíche na University of Georgia, nos Estados Unidos, sob a orientação do professor Jeremy Kilpatrick (in memoriam), o que desde então mantém intercâmbio com pesquisadores e grupos internacionais de pesquisa. Dezoito anos depois, 2024, retornou ao país para um pós-doutorado na Universidade de Delaware, sob a supervisão do professor Jinfa Cai, pesquisador chinês radicado nos EUA, onde desenvolveu pesquisas sobre proposição de problemas matemáticos (mathematical problem-posing), ampliando assim sua rede internacional de pesquisadores.
Seu intercâmbio com o exterior tem contribuído ativamente para o processo de internacionalização da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), onde atua como docente no Departamento de Matemática (CCT desde 2002), com atuação na Pós-Graduação desde 2009 no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática (PPGECEM), tendo orientado mestrado, doutorado e pós-doutorado.
Na Educação matemática, a Resolução de Problemas tem como foco o ensino-aprendizagem de Matemática via/através de situações-problema ou problemas de Matemática para o desenvolvimento de conceitos, processos e ideias matemáticas. Essa abordagem vai além da busca por respostas a um dado problema. Nessa abordagem, os problemas de matemática ou situação-problema são pensados com pontos de partida e, além disso, um continum do processo da aprendizagem matemática.
Segundo o docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática (PPGECEM), “a Resolução de Problemas além de promover uma compreensão mais profunda dos conteúdos matemáticos, se pensada em uma perspectiva crítica de educação, permite o desenvolvimento de uma cidadania crítica, por meio da exploração dos problemas trabalhados em uma perspectiva que ele tem denominado de Exploração-Proposição-Resolução Multicontextual Crítica de Problemas”, explicou.
Durante seu pós-doutorado, Andrade dedicou-se ao estudo da proposição de problemas matemáticos, em âmbito internacional na perspectiva da Educação Crítica, com foco nos estudos de Paulo Freire (Problem-Posing Education), dada a aderência temática e planetarização do pensamento de Paulo Freire, de grande interesse no Campo da Educação Matemática em âmbito internacional.
Essa abordagem envolve a criação, proposição de problemas pelos próprios estudantes, não apenas pelo professor, que podem resolvê-los individualmente ou em grupo. “Trata-se de uma atividade cognitiva relevante, que estimula o pensamento crítico e criativo, além de favorecer uma compreensão mais aprofundada dos conceitos matemáticos”, como esclareceu Andrade.
Segundo ele, “numa perspectiva freireana, a Proposição de Problemas visa garantir o desenvolvimento de conceitos e ideias matemáticas a partir de uma perspectiva sociocultural-política, que busca potencializar o desenvolvimento de conceitos e processos matemáticos em contextos múltiplos, colaborando com a compreensão matemática dos alunos, bem como extensões mais amplas no exercício da cidadania”. Ele tem chamado essa abordagem de proposição de problemas multicontextual crítica.
“Quando cheguei lá, à medida que fui conversando com o supervisor, começamos a discutir aspectos da educação matemática, que também envolvem uma abordagem inspirada na perspectiva freiriana. Considerando o legado de Paulo Freire e meu engajamento com esse educador desde meu mestrado, que propõe a educação problematizadora como um caminho essencial como prática de uma educação crítica, transforamdora e dentro dessa proposta, a proposição de problemas ocupa um papel central não apenas no desenvolvimento de conceitos matemáticos, mas também no desenvolvimento de uma cidadania crítica. Então, eu como brasileiro, dado meu engajamento como uma perspectiva crítica de educação, partir para uma abordagem freiriana em âmbito internacional com foco em Problem-Posing Education (Educação Problematizadora), não apenas como pesquisa do cotidiano, mas também como caminhos para criar um inédito-viável”, ressaltou.
Então, no diálogo com o supervisor e seu interesse por Paulo Freire, “nós retomamos o conceito de educação problematizadora, sobretudo o foco das dimensões sociopolítico/culturais no campo da Educação Matemática. Então, meu trabalho no pós-doc, além de fazer vários estudos na proposição de problemas, foi olhar na literatura internacional, no sentido de configurar o que seria a proposição de problema na perspectiva de Paulo Freire”, salientou o professor da UEPB.
Segundo o professor sergipano, essa abordagem foi extremamente relevante por trabalhar com a perspectiva que tem denominado de Exploração-Proposição-Resolução de Problemas Multicontextual Crítica. Essa concepção se aproxima do pensamento de Paulo Freire, especialmente da ideia do “inédito-viável”, que se refere a algo novo, ainda não plenamente vivido ou compreendido, mas sonhado. Quando esse sonho se transforma em um “percebido destacado” por aqueles que pensam de forma utópica, eles passam a reconhecer que o problema pode, de fato, deixar de ser apenas uma aspiração e se tornar realidade.
Rede internacional
Foi a abordagem de uma Educação Matemática crítica e problematizadora, com base no pensamento de Paulo Freire, que levou Silvanio a participar, em 2024, de um dos mais importantes eventos internacionais e debates com renomados pesquisadores do cenário mundial.
“Em abril de 2025, ministrei uma conferência virtual no National Council of Teachers of Mathematics (NCTM), que é o Conselho Nacional dos Professores de Matemática dos Estados Unidos. É considerado um evento de alto nível. Enviei o trabalho, que foi aceito, e o apresentei em uma conferência com duração de cerca de uma hora. No ano passado, também participei de um encontro em Chicago, organizado pelo NCTM, onde apresentei outro trabalho, desta vez em coautoria com uma orientanda que concluiu o doutorado, além de outras apresentações, como na própria University of Delaware”, rememorou.
O professor tem colaborado em importantes redes internacionais. “Além do meu intercâmbio com pesquisadores americanos, participo do renomado grupo internacional Freire Institute, com sede na Inglaterra. Recentemente, fui aprovado para me integrar ao renomado IAC desse instituto, Conselho Consultivo Internacional (International Advisory Council – IAC), o que me deixa extremamente feliz”, comemora.
O docente da UEPB ainda atua como parecerista de periódicos acadêmicos de prestígio, como o Journal for Research in Mathematics Education (JRME), considerado um dos dois mais relevantes do mundo na área de Educação Matemática, além de colaborar com eventos científicos de alcance nacional e internacional.
É membro de importantes sociedades científicas, como o National Council of Teachers of Mathematics (NCTM), nos Estados Unidos, e a Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM), da qual foi diretor da seção Paraíba (2019/2022 e 2022/2025).
Participa regularmente como conferencista e debatedor em mesas-redondas em eventos regionais, nacionais e internacionais. Entre suas publicações de destaque e de popularização, está o artigo “Um caminhar crítico-reflexivo sobre resolução, exploração e proposição de problemas matemáticos no cotidiano da sala de aula”, entre outras publicações, além de trabalhos de pesquisa apresentados em renomados encontros científicos como o PME (Conference of the International Group for the Psychology of Mathematics Education), o ICME (International Congress on Mathematical Education) e o NCTM Research Symposium, nos Estados Unidos.
O professor ainda mantém parcerias internacionais com grupos de pesquisa da Universidade de Delaware, liderado pelo professor Jinfa Cai, e da Universidade do Chile, com os professores Patricio Felmer e Farzaneh Saadati.
A origem da jornada: tecendo os primeiros fios
Quando ingressou na graduação em Matemática (Licenciatura) na Universidade Federal de Sergipe, em 1986, ele percebeu que a matemática vai além de números e símbolos. “Eu sempre gostei de matemática, desde o ensino fundamental. Sempre tive muito interesse na área de exatas: matemática, física, química…”, relembra. Segundo Andrade, além de ter afinidade pela área de exatas, é essencial entender o contexto no qual a Matemática é ensinada e aprendida.
“Eu comecei a me envolver com as disciplinas pedagógicas, cursei na graduação uma disciplina chamada Currículos e Programas em 1988, com a professora Maria Stella Tavares Rollemberg, que foi o grande começo de tudo, a partir daí eu passei observar as questões da sala de aulas e notar que ensinar matemática não era só transmitir conteúdo, mas eu precisava entender um pouco melhor aquele aluno que estava ali, como é que ele aprende”, Andrade destaca esse momento como seu despertar para ensinar matemática em uma perspectiva crítica.
Quando ingressou na graduação, ele já se tornou professor no ensino fundamental e médio, era muito comum naquela época. O Brasil estava começando o processo redemocratização e as questões sociais estavam vindo à tona. Neste momento, começou a se aproximar de estudos em uma perspectiva crítica de educação, da pedagogia de Paulo Freire e pensar no “inédito-viável”, para a vida de seus alunos. A partir da experiência em sala de aula, na educação básica, na qual trabalhou por 16 anos, percebeu que “matemática não era para mentes brilhantes, mas que todas as pessoas poderiam aprender matemática, todas as pessoas são capazes de aprendê-la”, explicou.
Por isso mesmo, sua adesão ao campo da Educação Matemática e ao pensamento freiriano. “O foco mesmo que eu tive, de início, em Paulo Freire, foi no mestrado. Eu defendi o mestrado em fevereiro de 1998, na UNESP-RC, sob orientação da professora Lourdes de La Rosa Onuchic, mas foi muito interessante, porque aquelas ideias que eu defendi no mestrado, até hoje permanecem em pesquisa, espalhadas. E até me lembro que o professor Jeremy Kilpatrick [supervisor do doutorado sanduíche e professor da University of Georgia] dizia bem assim: uma boa pesquisa é aquela que consegue desenvolver ideias que vão por aí.”
No doutorado, mudou de foco teórico. “Então, eu trabalhei com Foucault, com análise do discurso, porque na época, quando a gente trabalhou a questão do impacto entre pesquisa e sala de aula, às vezes, as pessoas olhavam esse impacto como se fosse uma questão mais quantitativa e prescritiva. A preocupação ali era a entendermos quais são os discursos que estão sendo produzidos pelos pesquisadores, na perspectiva de a pesquisa poder impactar, dialogar com a sala de aula”, relembra.
Andrade rememora que, durante seu doutorado, já se discutia a importância de a pesquisa alcançar a sala de aula, mas que tipo de sala de aula? Ele ressalta que, se o ambiente escolar apenas reproduz o status quo, a presença da pesquisa, por si só, pode não provocar mudanças significativas. Pelo contrário, corre o risco de reforçar práticas já consolidadas, sem estimular reflexão crítica ou promover transformações reais.
Ele destaca que o pesquisador tem como principais atribuições orientar, publicar trabalhos acadêmicos e desenvolver atividades vinculadas à sua instituição. “Já O professor, por sua vez, atua diretamente no ensino em sala de aula. Essa diferença de funções, muitas vezes, explica os desencontros entre pesquisadores, docentes e o contexto escolar, tanto na educação básica quanto no ensino superior”, enfatiza.
Por isso, segundo Andrade, as investigações em Educação Matemática devem levar em conta as práticas pedagógicas e, principalmente, analisar como o ensino ocorre e em quais contextos esse saber é desenvolvido. Dessa forma, o “inédito-viável” pode se tornar um “percebido destacado”, possibilitando que alunos e docentes entendam a matemática como uma linguagem, uma criação humana inserida em contextos sociais concretos, em constante mudança, e que precisa ser repensada para a construção de uma sociedade mais justa.
Essa é a base de sua aproximação com o pensamento freiriano, e sua prática pedagógica está alicerçada no compartilhamento e construção coletiva do conhecimento. Para ele, esse é o papel essencial do docente: um “espalhador de conhecimento”.
Na pós-graduação, os trabalhos de pesquisa que orienta e o Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Educação e Pós-Modernidade (GEPEP), que coordena, têm sido marcados por estudos dentro de perspectivas críticas, com ênfase no cotidiano e na multicontextualidade da escola e da sala de aula. Essas abordagens também têm orientado sua prática pedagógica na graduação, especialmente na Licenciatura em Matemática.
Zélio Sales
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