LABDEM: no coração do Complexo Três Marias, um laboratório que transforma vidas e sonhos
Quem passa pelo térreo do primeiro prédio do Complexo Três Marias, no Campus I da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), nos fundos da Farmácia Escola, dificilmente imagina que ali funciona um dos mais importantes laboratórios da instituição. A entrada, discreta, fica atrás de uma grade de ferro com ferrolho e dá acesso a um corredor sinalizado por uma placa que indica: “Laboratórios do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas”.
O corredor conduz, à direita, a um espaço de convivência destinado aos iniciados no universo da pesquisa científica. À esquerda, poucos passos adiante, revela-se a parte central da estrutura: uma porta equipada com fechadura eletrônica acionada por biometria. Ao som do clique que libera o acesso, abrem-se não apenas as portas do Laboratório de Desenvolvimento e Ensaios de Medicamentos (LABDEM), criado em 2011, pelos professores Ana Cláudia Dantas Medeiros e José Germano Véras Neto e , atualmente, coordenado pelo professor João Augusto Oshiro Junior, mas também novas perspectivas para a ciência farmacêutica, o aprimoramento de fármacos e a nanotecnologia aplicada.
O LABDEM está longe da imagem caricata popularizada pelos desenhos animados, com frascos borbulhantes, cientistas com cabelos arrepiados e nuvens de fumaça por todos os lados. Pelo contrário: trata-se de um espaço organizado, silencioso e pulsante de descobertas. Aparelhos sofisticados. Ainda assim, sua arquitetura e localização remetem, em certo sentido, aos antigos laboratórios de alquimia.
Conforme o professor Francisco Jaime Bezerra Mendonça Junior, ex-proreitor de pós-graduação e pesquisa da UEPB, “quando falamos de pesquisa, inovação e pós-graduação na UEPB, o LABDEM sempre foi um importante ator, e foi um espaço importante para suporte à criação e à manutenção de vários programas de pós-graduação na instituição”, sublinhou o coordenador da Central Multiusuária de Análise e Caracterização Químico-Biológica (CM-ACQuimBio/UEPB).
Sob a batuta, ou melhor, sob a pipeta de Oshiro Junior, ciência e inspiração caminham lado a lado. Com a sabedoria de um oriental e o carisma de John Keating, personagem vivido por Robin Williams em Sociedade dos Poetas Mortos, Oshiro promove diariamente um verdadeiro “Carpe Diem” científico.
“Os pesquisadores, muitos dos quais bolsistas de produtividade pelo CNPq, e a estrutura do laboratório sempre foram um grande suporte para projetos na UEPB, e um importante espaço de interseção entre projetos de diferentes áreas, onde se destacam as Ciências Farmacêuticas, a Odontologia, a Química, a Biologia e as Ciências Agrárias”, complementou Francisco Jaime.
No laboratório, sempre há um desafio a ser vencido, um artigo novo a ser lido, uma ideia a ser discutida. A colaboração é constante: alunos da iniciação científica são acolhidos pelos mestrandos, que, por sua vez, são orientados por doutorandos, todos acompanhados de perto por Oshiro e por suas colegas de equipe, as professoras Mariana Rillo Sato e Leila Aparecida Chiavacci Favorin (UNESP).
Professora Leila, ex-orientadora de Oshiro Junior durante seu mestrado e doutorado na Unesp de Araraquara, hoje é professora visitante no Programa de Ciências Farmacêuticas e colaboradora no laboratório de seu ex-orientando. Sua atuação reforça o ciclo de formação e devolução acadêmica que sustenta a ciência, um movimento contínuo que, nas palavras do professor José Etham de Lucena Barbosa, diretor do Instituto Nacional do Semiárido, “completa o ciclo virtuoso da ciência, que começa na iniciação científica e se consolida no pós-doutorado”.
Ainda segundo o professor Francisco Jaime, importante parceiro do LABDEM, ele ministra cursos teóricos para os estudantes do laboratório por meio de sua central multiusuária, localizada no campus V da UEPB, em João Pessoa. “Os diversos trabalhos realizados ao longo dos últimos anos já geraram um expressivo número de artigos científicos, várias patentes, além de terem contribuído enormemente para a formação de pessoal qualificado tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação”.
E o professor João tem isso muito claro quando afirma que faz com seus alunos e orientandos o que a professora Leila fez por ele: “queremos retribuir, talvez, o que a universidade pública nos deu”. E eu quero ajudar esses meninos e essas meninas, talvez, a saírem de uma condição em que, muitas vezes, me vejo neles, lembrando da minha época de 15, 20 anos atrás”, relembra seus tempos de pós-graduação.
Ele conta que vem de uma realidade diferente: “eu estudei na faculdade privada e ainda tinha que trabalhar”. Então, eu sequer sabia que existia a possibilidade de me tornar um pesquisador. Eu descobri o que era pesquisa com Leila, durante o mestrado e o doutorado. Eu tive alguém que reconheceu em mim meu potencial e hoje acredito que estou devolvendo o que recebi”, destacou.
Enquanto ele falava, sua ex-orientadora, que veio trabalhar com ele durante oito meses no desenvolvimento de um projeto de nanopartículas magnéticas, observava o ex-aluno com evidente admiração “Ah, é um orgulho. Eu sempre falo para ele que sinto muito orgulho dele. Porque, depois que a gente termina o doutorado, temos que seguir nosso caminho, independente do orientador, não é? Então, ele seguiu o caminho dele e hoje sou eu quem está aprendendo com ele. Isso é muito bom”, disse quase emocionada.
Inspiração e reconhecimento
Os jovens pesquisadores vinculados ao diretor do LABDEM não atuam apenas no aprimoramento de fármacos, seja com foco na saúde pública ou na geração de conhecimento que possa subsidiar a conclusão de medicamentos em desenvolvimento por outros grupos. O objetivo do laboratório vai além da nanomedicina, abrangendo o desenvolvimento de estratégias eficientes para carrear substâncias e direcioná-las a doenças específicas.
Além disso, os pesquisadores em formação desenvolvem competências que vão além do transporte e da liberação controlada de moléculas, incluindo a administração localizada de fármacos, com o objetivo de reduzir efeitos adversos e aumentar a eficácia terapêutica. Nesse processo, eles aprendem a aprender e se constituem como profissionais em formação dentro de um ecossistema de pesquisa colaborativa
Isso fica muito claro a fala de Adrian Lima Roberto, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas (PPGCF). “O nosso grupo de pesquisa é um grupo que se destaca e oferece muitas oportunidades, o que nos enriquece. Todo dia é um aprendizado. Somos muito interligados: absorvemos um pouco do conhecimento de cada pessoa. Por exemplo, observo o que Brenda está fazendo, acompanho o que Camila está realizando; assim, aproveitamos o trabalho de todos”, destaca o jovem natural de Esperança-PB.
Conforme ele, “não se trata apenas do que eu estou fazendo, mas do que todos estão desenvolvendo”. Além disso, realizamos minicursos entre os membros do grupo, procurando, ao máximo, integrar os conhecimentos uns dos outros. Essa dinâmica é muito positiva e enriquecedora”, comemora o farmacêutico.
Assim como Adrian, Ingrid Larissa da Silva Soares diz que aprendeu a fazer pesquisa no LABDEM. Eu sempre quis pesquisa. Desde o ensino médico que eu vim de IF [Instituto Federal da Paraíba], e lá a gente é muito incentivado a fazer pesquisa e tudo mais. Então, eu já entrei na graduação sabendo que eu queria um mestrado e um doutorado. Mas eu estudava em uma faculdade privada. Mesmo tendo Farmácia não tinha a mesma lógica que aqui”.
Então, mesmo antes de ela terminar o curso já se aproximou do laboratório e se encantou com o modo como o ecossistema funciona. Ela conta que até sua escrita melhorou muito, “porque gente não faz apenas experimento, a gente lê muito, discute bastante e aprende metodologia científica. Aqui a gente melhora a escrita na prática. Lá na instituição privado onde fiz minha graduação não tinha esse eixo de você saber qual é um artigo bom, como ler, como resumir, como trabalhar e nem muito menos como escrever capítulo do livro. Aprendi tudo aqui. Foi aqui virei cientista”.
Embora os alunos trabalhem com nanopartículas e nanobiomedicina, o que fica claro ao olhamos para o LABDEM é que ele funciona como uma macroestrutura de formação de cientista de modo colaborativo.
Essa colaboração começa já na Iniciação Científica, quando os alunos são supervisionados por mestrandos, que, por sua vez, podem ser acompanhados por doutorandos, estes eventualmente assistidos por pós-doutorandos. Foi o que ocorreu com Sara Efigênia Dantas de Mendonça y Araújo, atualmente doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos (PPGDITM) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Ela está no laboratório desde a Iniciação Científica (2020) e vem trabalhando com sistemas de liberação de fármacos e ciência de materiais aplicados à saúde, com foco no desenvolvimento de nanocompósitos, na caracterização de materiais e na avaliação da atividade antifúngica.
“Quando eu vim para a iniciação científica, eu comecei a ativar um lado que estava mais adormecido, de curiosidade, de como as coisas funcionam, como é que as coisas podem, como é que posso melhorar uma coisa que já existe. Começaram a aparecer mais questionamentos na minha cabeça e eu comecei a ter mais vontade de responder”, ressalta.
Mas além dessa curiosidade, Sara diz que também gosta de escrever. “Eu sei que muita gente diz que é a parte mais chata: você se sentar e começar a tratar os dados. Mas aí é a parte que eu mais gosto, porque eu sento e começo… Você sabe o que está fazendo quando está na bancada, mas, quando começa a escrever, parece que todos aqueles dados que você coletou começam a fazer mais sentido e se conectam. E aí, para mim, isso é a parte mais bonita: escrever, publicar e ver o produto de todo aquele esforço que você teve também”.
E essa escrita foi desenvolvida na interação com os colegas de laboratório e com os professores orientadores. Como destaca o próprio João Oshiro, “não é apenas o orientador chegar, delinear um trabalho com o aluno e deixá-lo por conta própria. A parte do ensino consiste em acompanhar o projeto, não em executá-lo por ele, porque precisamos formar o aluno. Somos orientadores, não colaboradores ou executores da pesquisa. Portanto, preciso formá-lo, mas também preciso ensiná-lo”, enfatiza.
Oshiro diz que ali o aluno aprende na prática, a partir de experiências de pesquisa e problemas de pesquisa delineados até mesmo em outras universidades, mas é preciso que o aluno do LABDEM consiga entender como a pesquisa e a ciência funcionam para que possam desenvolver um fármaco
E para isso, tanto os alunos quanto os professores precisam estar atentos o que está acontecendo no mundo. “Eu mesmo fui para a Irlanda, aprendi a trabalhar com novas tecnologias lá ou novas terapias como a sonodinâmica e a fotodinâmica que depois até a Kammila acabou indo para lá também para o laboratório do professor John Callan”.
Kammila Martins Nicolau Costa, doutoranda Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos (PPGDITM), começou sua pesquisa e seu interesse com nanotecnologia ainda no PIBIC, como conta. “Eu comecei a minha pesquisa realizando testes in vivo. Eu gostava muito dessa área, mas às vezes eu me sentia muito mal por envolver animais. Além disso, eu sou de Esperança, tinha que vir para Campina. Na época a gente não tinha biotério, eu tinha que ir para uma faculdade privada”.
No entanto, ela não desistiu de pesquisar. “Mas quando eu vi a nanotecnologia em si era incrível, que eu me apaixonei de vez, então eu preferi ficar nessa área. Achei meu lugar de pesquisa”. A pesquisa dela, orientada por João Oshiro, resultou em uma patente registrada em 2019. O estudo utilizou a curcumina, substância ativa responsável pela cor amarelo-ouro e pelo sabor picante da cúrcuma (açafrão-da-terra), associada à terapia fotodinâmica para aplicação no tratamento da candidíase vulvovaginal.
Kammila conta que, desde o dia em que chegou ao laboratório, pensou para si: “é aqui mesmo que eu quero estar. Perfeito. Não vou mais precisar realizar ensaios in vivo com tanta frequência”. Mesmo tendo uma patente registrada em seu nome, ela garante que o mais importante do LABDEM é que se tornou “uma pessoa melhor. A gente sempre busca evoluir. A gente sempre busca conversar, mostrar defeitos e as partes positivas de todo mundo. Descobrir uma forma de desenvolver um medicamento para este mundo. Mas aqui a gente vai conseguir se desenvolver, tanto pessoal quanto intelectualmente, no trabalho e em tudo mais.”
Um lugar para se desenvolver
Quem também tem a sensação de ter chegado no lugar certo é Brenda Maria Silva Bezerra, doutoranda Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos (UFPB). Ela se ter de ser muito grata. “E com certeza que se estou seguindo a carreira acadêmica hoje é devido a minha graduação, em que eu tive professores excelentes”.
Ela destaca que, no laboratório, eles aprender a desenvolver outras habilidades pessoais, como comunicação e escuta, “todas as soft skills essenciais para se tornar um pesquisador e um professor. A gente conseguiu criar esse ambiente em que a gente se ajuda, tanto no profissional, mas a gente também consegue descontrair e ter essa amizade no pessoal também”, destaca.
Segundo ela, os alunos mantêm uma relação saudável não apenas no espaço de convivência, onde se toma café e “troca uma ideia”, mas em todos os ambientes do laboratório. Esse convívio é fundamental para o fortalecimento do ecossistema acadêmico.
No LABDEM, os alunos vão além do desenvolvimento de tratamentos com potencial de beneficiar a sociedade e de gerar inovação para o mercado farmacêutico, como destacou a professora Mariana Rillo Sato, farmacêutica que já atuou no balcão da farmácia da família, no interior de São Paulo. Esposa de João Oshiro, ela ressalta que o laboratório utiliza compostos já comercialmente disponíveis e os reformula para aumentar sua eficácia, aprimorar a atividade de fármacos ou compostos naturais, como nas pesquisas que contribuem para o combate a fungos.
“E isso beneficia a sociedade, porque a gente pode promover e pode oferecer tratamentos que são menos custosos, que podem promover uma melhor adesão ao tratamento, que é o que a gente fala de diminuir posologia, diminuir frequência de administração”.
Professora Mariana destaca que O LABDEM, “forma o aluno tanto no aspecto profissional quanto pessoal. Quando pensamos em universidade e em pesquisa, devemos ter sempre em mente um objetivo final, voltado para um público específico. Nosso trabalho busca tratar doenças, aprimorar medicamentos existentes ou solucionar problemas relacionados a fármacos, sempre pensando no público final, que, no fim das contas, somos nós mesmos, o consumidor final.”
Mas, entre um produto e outro, a responsabilidade social do laboratório é formar seres humanos melhores, profissionais dedicados e, sobretudo, comprometidos com a sociedade. “Porque você também cria nesses alunos que estão na pesquisa talvez um sentimento de humanização. Só quem trabalhou em farmácia sabe o que é atender alguém e explicar para ele como o medicamento deve ser usado”, relembra seu tempo de balcão.
O professor João Oshiro reconhece que o laboratório ainda não corresponde às expectativas para o futuro e que enfrenta limitações de equipamentos. “Eu tenho as minhas limitações, mas são as minhas limitações como ser humano, que está aprendendo todo dia. Dentro do que eu consigo executar, eu faço da melhor forma possível e busco evoluir”, enfatiza. Ele admite que não é fácil: “O desgaste que nós temos é gigante dentro da universidade, quando a gente quer fazer tudo isso”. No entanto, ao lembrar dos alunos que continuam chegando, acrescenta: “Sempre abrimos uma exceção e, quando olho, aceitei mais um”, seja uma indicação de um colega ou um talento que ele percebeu em sala de aula e se reconheceu nele, como fez, lá atrás, a professora Leila Favorin, atual colega de pesquisa.
Zélio Sales
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