Professores da UEPB, da UFCG e de universidades paulistas integram projeto que propõe modelo de gestão da água para bacias dos rios Tietê (SP) e Paraíba (PB)

27 de junho de 2025

O projeto Segurança Hídrica (SEGHID) foi criado em 2022 a partir de uma chamada pública promovida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ), em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), com o objetivo de financiar pesquisas colaborativas entre pesquisadores de instituições de ensino superior da Paraíba e de São Paulo.

O grupo paraibano é formado por cientistas do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Instituto Federal da Paraíba. Já a equipe de São Paulo reúne pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal do ABC (UFABC), da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), e Instituto Alana. Além disso, estudantes de graduação e pós-graduação das instituições envolvidas também participam do projeto.

De acordo com o professor  Pedro Roberto Jacobi, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, responsável pela coordenação do projeto, “uma rede de pesquisa com a natureza do SEGUID tem um papel fundamental para o compartilhamento de conhecimentos, a ampliação de ações que potencializam um trabalho mais coletivo. Então, de certa forma, o que o SEGUID buscou fazer nessa parceria entre o projeto da FAPESP e o projeto da FAPESQ, ou seja, o projeto de São Paulo, e o projeto da Paraíba, mostra exatamente o potencial que existe para refletir sobre as diferentes práticas que a sociedade tem de desenvolver para melhorar a qualidade dos nossos rios”, pontuou.

Ainda segundo o professor Jacobi, é fundamental reconhecer como a articulação entre diferentes áreas do conhecimento, sob uma perspectiva inter e transdisciplinar, fortalece as reflexões e características próprias de cada campo. Essa integração amplia o potencial das distintas áreas de atuação e, sobretudo, torna o conhecimento mais aplicável e necessário, promovendo seu compartilhamento em contextos diversos.

A iniciativa propõe uma nova abordagem para a governança da água, baseada na realidade hídrica de duas regiões cada vez mais afetadas pela escassez: a Bacia do Rio Paraíba, na Paraíba, e a Bacia do Alto Tietê, em São Paulo. No caso paraibano, é a Bacia do Médio Paraíba que abastece o Açude Epitácio Pessoa (Boqueirão), responsável pelo fornecimento de água a Campina Grande e a outros 18 municípios do estado, uma população de aproximadamente um milhão de pessoas.

Conforme a professora Ângela Ramalho, coordenadora adjunta do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e coordenadora do Centro de Pesquisa em Desenvolvimento Regional, Big Data e Geoprocessamento (FAPESQ/UEPB), “o projeto de pesquisa tem a proposta de analisar esses dois territórios e aproximar os pesquisadores na produção e no diálogo das análises. Já aconteceram várias missões; eles [pesquisadores de São Paulo] vieram aqui para semiáridos e missões e para conhecer nossa realidade, pois nossa pesquisa está focada em especial no Cariri e São Paulo”.

Além da professora Ângela, a UEPB é representada pelo professor Cidoval Morais de Sousa, diretor da Editora Universitária e docente permanente do Mestrado em Desenvolvimento Regional (MDR) e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática, e o professor Rafael Albuquerque, coordenador do MDR. Foi neste mestrado que Andrea Ferreira Leite, pesquisadora que faz parte do projeto Segurança Hídrica e técnica administrativa da UEPB, defendeu a dissertação Acesso à Água e Governança Hídrica: Um Estudo em Comunidades Rurais do Semiárido Paraibano, premiada (2023) como melhor dissertação, sob orientação do professor Cidoval e coorientação de José Irivaldo, docente do programa e professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

 

Produtos derivados da pesquisa

Ainda segundo a professora Ângela, da parceria Sudeste/Nordeste surgiram muitos produtos. “Inclusive o meu pós-doutorado na USP, no Instituto de Energia e Ambiente, e o pós-doutorado do professor Irivaldo. E aí as parcerias foram se alargando, outros projetos foram submetidos, muitas produções, como livros, planos, artigos e uma das principais, as produções de Agenda Política Pública”, enfatizou.

Agenda Política Pública (APP) é uma série composta por 12 volumes de download gratuito, que reúne diretrizes e planos de governança da água. Com média de 10 páginas por volume, cada publicação foi elaborada para transformar pesquisas sobre temas socioambientais complexos em planos concretos e objetivos voltados à ação política.

O volume II da APP, Governança e Segurança Hídrica: Uma Agenda Estratégica, é de autoria de Pedro Roberto Jacobi, Ângela Maria Cavalcanti Ramalho, Bruno Peregrina Puga e José Irivaldo Alves O. Silva. Já o volume X, Planos de Bacia Hidrográfica do Alto Tietê (SP) e Rio Paraíba (PB), foi elaborado por José Irivaldo Alves O. Silva, Claudiney Rodrigues, Amauri Pollachi, Clariana Monteiro e Estela Alves.

Segundo o professor José Irivaldo, da UFCG, do MDR e coordenador do projeto na Paraíba, “no caso da Agenda, é a tentativa de aproximar da sociedade os resultados da pesquisa. Cada volume traz uma linguagem menos acadêmica, de forma que pudéssemos apresentar à sociedade os resultados práticos do estudo. Cada agenda trata de um tema específico relacionado às bacias hidrográficas e às mudanças climáticas. Temos análise dos planos de bacia, o que precisa mudar, soluções baseadas na natureza, a questão do uso e da importância do reuso da água, a valorização do uso da água da chuva, algo muito caro para nós, no Nordeste, mas que também tem sido defendido no Sudeste.”

O professor destacou que, além da APP e de publicações relevantes, como o livro guia Encontro das Águas:  Navegando pelo Médio Paraíba (PB) e Alto Tietê (SP), voltado à comunidade escolar e fruto da parceria entre o Instituto Alana e o projeto SEGHID. A pesquisa também desenvolve uma plataforma virtual de capacitação, produziu um manual do curso Gestão Hídrica no Contexto das Mudanças Climáticas, direcionado a gestores públicos, e realiza a produção de vídeos de sensibilização sobre a Bacia do Rio Paraíba e uma série de webinários. Além disso, está em andamento a elaboração do Plano de Gestão do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba.

O livro, conforme disse o professor Irivaldo, “visa contribuir tanto com os olhares para a Bacia do Rio Paraíba, a partir da transposição e da perenização do Rio Paraíba, como também em relação à Bacia do Alto Tietê, que sofre pressão em virtude da urbanização. A nossa bacia também sofre pressões por conta da urbanização, tem outros fatores, mas traz essa novidade, que é a própria transposição do Rio São Francisco. Essas escalas, a priori, parecem diferentes — São Paulo e Paraíba —, mas temos elementos que são muito parecidos, e mesmo os elementos diferentes podem gerar aprendizados. Tanto eles aprenderam conosco, como aprendemos com eles.

A obra, composta por capítulos colaborativos, foi escrita por 11 autores em coautoria e adota uma abordagem lúdica e poética para tratar de temas que vão das memórias, culturas e saberes populares à educação ambiental, sustentabilidade e formação para o futuro. Também explora conceitos como racismo ambiental, justiça hídrica, comunidades ribeirinhas e ancestralidade. O texto utiliza uma linguagem acessível, sem recorrer a clichês.

Já para o professor Pedro Jacobi, da USP, “o livro também mostra a importância de integrar a visão acadêmica e a experiência prática para buscar soluções inovadoras e inclusivas no enfrentamento dos desafios relacionados à gestão da água. E também é importante destacar que essa articulação entre estados e instituições não apenas amplia o conhecimento sobre a governança da água, mas promove o intercâmbio de experiências e práticas que poderão ser aplicadas em diferentes contextos, contribuindo para o fortalecimento das políticas públicas de segurança hídrica. E o livro também reforça a importância de integrar a visão acadêmica e a experiência prática para buscar soluções inovadoras e inclusivas no enfrentamento dos desafios relacionados à gestão da água.”

Além disso, o coordenador da rede destaca que “o livro contribui, visando mostrar como a aprendizagem sobre sustentabilidade na escola é uma forma de aprofundar os conhecimentos e praticar atitudes que ajudam a cuidar do planeta. Hoje, esse livro ajuda para que crianças e adolescentes possam entender melhor e criar soluções para reduzir os impactos sobre as riquezas naturais. Nesse sentido, este livro contribui numa perspectiva de educação ambiental e climática como uma prática de ensino e aprendizagem coletiva, que reforça valores que contribuem para o engajamento da sociedade para transformar a realidade atual”, evidencia o professor Pedro.

Impacto social

Conforme a professora Ângela Ramalho, com a divulgação o livro, que foi impresso, mas também pode ser baixado gratuitamente, “a expectativa é que haja um impacto social muito significativo ao trazer uma contribuição para todos aqueles atores sociais que participaram da pesquisa –  nas associações, no campo, nas cooperativas e entre os representantes que fazem parte dos comitês de bacia nos dois territórios estudados. Ainda estamos negociando com o professor Cláudio Furtado [Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Ensino Superior  –  SECTIES], para que este livro seja adotado nas escolas da Paraíba”, esclareceu a pesquisadora.

Ela destaca que São Paulo também vivenciou a escassez hídrica entre 2014 e 2015 e teve que aprender a melhor gerenciar esses recursos. “Além disso, a investigação em curso possibilita que os pesquisadores possam avançar tanto no campo teórico quanto conceitual. Nós começamos a ver essas múltiplas escalas e esses territórios hidrossociais, que são categorias que vêm para fazer uma revisão conceitual da gestão hídrica”, ressaltou.

Já para o professor Irivaldo, o livro tem um impacto importante porque serve como manual para educadores. “É um guia educacional sobre a gestão e governança da água nos dois territórios. Então, é um livro que foi gerado, na verdade, como material educacional didático. Nós vamos começar a fazer alguns treinamentos em Boqueirão [Paraíba], com as escolas municipais, utilizando esse material, que traz a questão da água e das mudanças climáticas para os alunos do ensino fundamental”, destacou o coordenador paraibano do projeto.

Atrelado ao projeto, mas como ação local da UEPB e UFCG, com financiamentos da FAPESQ há o projeto de construção da ação climática de dois munícipios da Paraíba. De acordo com a professora Ângela, eram mais munícipios, mas “em função da das eleições municipais, não foi possível. Elaboramos o primeiro plano de ação climática da região do Cariri, em Serra Branca. Foi aprovado na Câmara e vai virar política pública”.

A ação, que integra um projeto maior desenvolvido nos dois territórios, tem como objetivo preparar as cidades para os impactos das mudanças climáticas. O plano de Cabaceiras está em fase final de elaboração e também será transformado em projeto de lei. Participam da elaboração dos planos, além da professora Ângela e do professor Irivaldo, estudantes de graduação vinculados à Iniciação Científica e alunos da pós-graduação em Desenvolvimento Regional e de outros programas.

Outra ação importante que será desenvolvida pelos pesquisadores do projeto Segurança Hídrica (SEGHID) é a realização de oficinas nos diferentes campi da UEPB e da UFCG. O objetivo é apresentar os produtos gerados pela pesquisa, como o livro,  a Agenda Política Pública (APP) e a plataforma virtual de formação, que será disponibilizada em breve no site do projeto.

Rompendo fronteiras

De acordo com a professora Ângela Ramalho, “nós também já rompemos Fronteiras. Essa dificuldade que a gente tinha de inserção na região Sudeste. Eles [sudestinos] vinham, estudavam e iam embora. Mas com essa pesquisa, nós rompemos essas fronteiras estabelecendo diálogos de pesquisa para gerar novos projetos e novos produtos”.

De forma adicional, segundo a docente, essa pesquisa possibilitou o alargamento de fronteiras, de revisão e mesmo de visão teórica, metodológica e de conhecer os territórios hidrossociais. O território hidrossocial é um conceito que entende o território não apenas como um espaço físico, mas como um espaço construído e reconstruído através de relações sociais e interações com a água. “Eu mesma ainda tinha uma visão um tanto limitada do semiárido, principalmente após a chegada da transposição das águas do Rio São Francisco. Então, com esses novos entendimentos, começamos a olhar a gestão e as fragilidades da gestão hídrica, mas também os avanços no campo político da gestão da água”, enfatizou professora Ângela.”

Um outro ponto abordado pelo professor Irivaldo para a ruptura das fronteiras foi que a rede não foi composta apenas por pesquisadores e alunos das universidades paulistas. “É importante destacar a parceria das universidades locais, que têm um impacto regional. Tanto a UEPB quanto a UFCG contribuíram significativamente para a realização das missões. Foi da parceria delas que se proporcionou uma logística de pesquisa, com transporte, por exemplo. Além disso, pudemos utilizar os espaços físicos das duas instituições para a realização de eventos. Nós trocamos saberes, é claro, mas também compartilhamos a logística para as pesquisas. As duas universidades juntas são mais fortes”, pontuou.

Um dos destaques na superação de fronteiras para uma pesquisa mais eficiente, segundo professores entrevistados, é a ampla participação de estudantes, não apenas da pós-graduação, mas, principalmente, da graduação, por meio da Iniciação Científica. São alunos PIBIC que participam da produção de artigos e livros. Inclusive, no livro que foi publicado, há contribuições de bolsistas de Iniciação Científica. Nas agendas, também há alunos da graduação em Estatística. São cinco estudantes envolvidos. Além disso, há mestrandos do MDR e doutorandos da UFCG atuando neste projeto.

Já no sentido internacional da superação das fronteiras, a professora Ângela destaca que a rede de pesquisadores em recursos hídricos não está restrita ao Brasil. “Hoje, nós estamos presentes na Inglaterra e em Portugal, inclusive no Instituto de Ciências Sociais [Universidade de Lisboa] onde realizaremos 12 palestras. Eu e o professor Irivaldo participamos dessas atividades. Também estamos no México, na região de Chiapas. Com isso, a rede já alcança Inglaterra, México e Portugal”, sublinhou.

 

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